Os homens de milhões de dólares
Publicado em 09 de abril de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* PAULINO FERNANDES DE LIMA
Em meados da década de 70, criou-se uma séria de televisão americana, que foi bastante reprisada no Brasil, durante os anos 80, sob o título “O homem de seis milhões de dólares”.
O enredo girava em torno do “ciborgue” Steve Austin, um humano que sofreu um acidente no passado, mas foi reconstruído, ao custo de $ 6 milhões, para trabalhar no Departamento de inteligência científica.
A utilidade da criação de um ser, com super poderes, era mais lembrada e, portanto, valorizada, do que o valor gasto para reconstruí-lo.
Inversamente proporcional a essa necessária valorização, aqui no Brasil, após uma “fuga” (abaixo de qualquer suspeita), empreendida por dois detentos do Presídio de Mossoró, o Governo brasileiro gastou aproximadamente 6 milhões de reais, para justificar a recaptura dos “fugitivos”.
O que estarrece, obviamente, além do milionário custo que os cofres públicos suportaram, foi a intensa mobilização e uso de efetivo humano e veicular, além do demasiado tempo, também gastos na operação.
Até o momento, nada foi divulgado a contento, em relação à indubitável facilitação que foi dada aos presos para escaparem. O foco das notícias se voltou rapidinho para a resposta que o novo Ministro da Justiça deveria dar à sociedade, em termos de recaptura.
Mas há tanto ainda a ser esclarecido, especialmente o “modus operandi”, com que se deram os fatos, a começar pela dúvida de que teria havido realmente uma fuga, tipo “vou ali e volto já”.
Afora o trabalho da Polícia federal, digna de nota na operação de recaptura, outras questões merecem esclarecimento, a começar pela necessidade de elucidação oficial de como se originou e se deflagrou o ato dos fugitivos.
Há mais que uma pulga atrás da orelha, em relação à desconfiança que a sociedade, com razão, possui.
Sem instrumento hábil e acessível, é inconcebível que só a força humana tenha sido capaz de originar uma passagem na parede das celas e mais adiante, uma mera ferramenta (Deus sabe qual e de onde viera), tenha propiciado tal empreitada criminosa (já que a fuga é crime previsto no Artigo 351, do Código penal brasileiro).
O fato despertou a atenção da sociedade em geral, por não ser mais uma situação de fuga comum de um presídio qualquer, tampouco pela qualificação dos envolvidos em si, por serem de facções, mas pelas circunstâncias de tempo e, principalmente, do lugar em que se dera.
Uma das cinco penitenciárias federais de segurança máxima não deveria ser o cenário esperado para o desenrolar daquilo que um dos detentos recapturados denominou, esnobemente, de “bagulho de filme”.
Isso atenta contra a sociedade; à segurança pública e ao Estado como um todo, exigindo que a resposta estatal não se circunscreva a uma mera recaptura que sangrara, sem piedade, os cofres públicos.
A reação não pode ser conformista e de ares triunfantes, mas ultimada pela adoção de medidas, tão cronicamente já reclamadas e nunca priorizadas, não só com o enrijecimento de tratamento nos estabelecimentos prisionais, mas em respostas à altura, em tema de combate à criminalidade, a qual acabou de coroar mais um desafio ao Estado.
* PAULINO FERNANDES DE LIMA, DEFENSOR PÚBLICO; ESPECIALISTA EM DIREITO PROCESSUAL PENAL