Outra verdade inconveniente

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

Mais cedo ou mais tarde, artistas comprometidos com projetos de poder acabam metendo os pés pelas mãos. Os desígnios da política são uns, muito específicos, alheios a razões outras, pouco afeitos aos imperativos da criação, indiferentes às sugestões do imaginário. Enquanto a grande arte tem o condão de alimentar espantos, a política tem fome de mando.
Realizadora de mão cheia (vide’ Elena’, além de ‘Olmo e a gaivota’),Petra Costa já havia derrapado feio com ‘Democracia em vertigem’, a respeito do processo que culminou no injustificado impeachment da presidente Dilma Rousseff. Agora, no entanto, ela vai mais longe e se aproveita da tragédia em São Sebastião, no litoral de São Paulo, para resvalar em proselitismo barato – a moça anda às voltas com um projeto sobre os efeitos do clima. E o faz na cara dura, sem nenhuma cerimônia.
Por intermédio de meias verdades, Petra Costa propaga mentiras inteiras. Sim, o volume de chuvas que inundou o município em questão é extraordinário. Também é possível relacionar os eventos ainda em curso com o negacionismo ambiental, como a cineasta faz em post nas redes sociais, onde não perde a oportunidade de dar os seus pitacos sobre a conjuntura política tupiniquim. O mais importante, contudo, Petra não diz: Foi a negligência do poder público em todos os níveis, desde o município até a presidência da República, que transformou uma circunstância excepcional em tragédia. Ela fecha os olhos, do mesmo modo que a esquerda brasuca ignora Belo Monte.
Não foi por falta de aviso. O governo federal, o governo de São Paulo e a prefeitura de São Sebastião foram alertados sobre o risco de desastre dois dias antes de os temporais atingirem o Litoral Norte paulista. Quem diz assim é Osvaldo Moraes, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Os erros dos poderosos de plantão vão desde a dificuldade de comunicação com os moradores das áreas de risco, já admitida pelo governo Lula, até a completa inversão de prioridades do gestor municipal. Segundo apuração do g1, o prefeito de São Sebastião se recusou a divulgar os alertas por receio de afastar os turistas O município esperava receber 500 mil pessoas durante o Carnaval.
Claro, a questão de fundo permanece: a verdade inconveniente do aquecimento global se pronuncia de modo cada vez mais assertivo. Mas Petra Costa e a turma que faz o L gostoso, artistas de todos os segmentos incluídos, precisa entender, de uma vez por todas: ou bem está com o governo de turno, com erros e acertos, ou bem se identifica com o populacho.