Partidos de resultados – As consequências nefastas para vida política e para o parlamento
Publicado em 19 de novembro de 2013
Por Jornal Do Dia
* Miguel dos Santos Cerqueira
Certa feita indagado por um entrevistador sobre a natureza e ideologia do seu partido, o então presidente do PTB, o responsável pelas denúncias que desaguaram na ação penal 470, conhecida com "mensalão", prontamente respondeu que o seu partido não era uma partido de ideologia, mas partido de resultados, justificando em seguida que os partidos de ideologia engessam a vida política, uma vez que as ideologias impediam espaço para negociações que resultassem em reformas.
A data da entrevista na guardo na memória, não obstante a resposta que foi dada pelo então deputado é providencial para que se possa explicar as consequências de partidos de resultado para vida política, consequências nefastas como a que resultou no escândalo de suposta compra de apoio políticos para aprovação de leis e reformas no parlamento, escândalo divulgado na imprensa como sendo "mensalão".
Fato curioso nesse escândalo político de proporções imensuráveis e cujas reais consequências para o sistema democrático ainda se desconhece é que todos aqueles do núcleo político, embora acusados de corrupção e de se apropriarem de dinheiro público não ostentem quaisquer sinais de riqueza. Sobre os supostos membros do esquema que formam o núcleo político não se disse ou se apresentou quaisquer provas de que possuam contas em bancos da Suíça ou de qualquer outro paraíso fiscal. Não se disse que possuem ou adquiriram fazendas ou desfilam de Ferrari ou BMW.
De fato, muitos dos que compõem o chamado núcleo político do escândalo, alguns deles ex-militantes do movimento estudantil, ex- combatentes da ditadura militar, convictos leninistas ou stalinistas, nem mesmo possuem salários que lhes permitam viver conforme os padrões de pessoa de classe média alta. Não obstante, são apupados nas ruas como larápios, como ladrões contumazes, como assaltantes do dinheiro público.
A verdade sobre esse escândalo é que o sistema político sob o domínio de partidos de resultados, de homens sem convicções e sem ideologia, que ingressam na vida política para se venderem ou comprarem, funciona como uma arapuca para aqueles que acreditam que podem produzir mudanças nesse ambiente de lobos vorazes.
Os homens que formavam o núcleo político do suposto esquema, embora apupados como corruptos, sem nenhuma dúvida agiram segundo as suas convicções e eivados de boas intenções. Segundo eles as concepções de Antônio Gramsci de que as mudanças na estrutura de um Estado se dá a partir de hegemonização dos seus aparelhos de reprodução de ideologia não tinha qualquer cabimento. Segundo aqueles homens, em política, os ensinamentos de Nicolau Maquiavel são uma verdade por excelência, ou seja, os fins justificam os meios.
Aqueles homens detentores de ideologias, que arriscaram sua vidas combatendo a ditadura nas ruas, no campo, na região do Rio Araguaia, entendiam que a construção de um Estado nacional, a saída do imbróglio da dominação burguesa, poderia se dar fazendo concessões e comprando apoios de partidos de resultados para obtenção de reformas no parlamento.
Embora todos aqueles homens tenham lido Rosa Luxemburgo, Louis Althusser e Antonio Gramsci, após a deblace do Governo de Salvador Allende no Chile e de outras experiências socialistas na África, a exemplo a Argélia, tinham urgência e não acreditavam em transformações se não pela via da compra de apoios de homens e partidos a venda no parlamento. Não viam mal algum nesse procedimento, visto ser essa a regra em todos os parlamentos. É assim no parlamento dos Estados Unidos sob o domínio de lobistas das corporações. É assim nos parlamentos de países da Europa. É impensável não crer que esses homens não foram fisgados por sua descrença na possibilidade de um partido ideológico hegemonizar um processo de mudança.
De fato nunca se ouvir dizer que os homens que compõem o núcleo político do esquema do chamado "mensalão" tenham tentado obter vantagens para si ou para os seus, jamais se leu em qualquer página de jornais sensacionalista que qualquer um deles ficou a assediar parlamentar para ver indicado membro de Tribunal, jamais se ouviu dizer que qualquer deles usou de tráfico de influência para querer incluir seus filhos em lista de indicação para tribunais, o mesmo não se pode dizer de alguns dos seus juízes, que compõem o STF.
De certo que não comungamos das mesmas crenças ideológicas dos que foram condenados por se verem traídos por suas convicções, não obstante com eles somos solidários, uma vez que acreditamos que não se apossaram de bens públicos ou privados para si, mas apenas acreditaram que para se obter mudanças e reformas em favor do povo, sob uma democracia liberal, sob uma ordem em que o parlamento é um grande balcão de negócios, só fazendo concessões, pactuando, e até mesmo comprando homens que estão a venda e partidos de resultado ou de aluguel.
* Miguel dos Santos Cerqueira exerceu atividades de assessoria da JOC – Juventude Operária Católica e outros Movimentos Sociais em Feira de Santana/BA. É Defensor Público titular da Primeira Defensoria Pública Especial Cível do Estado de Sergipe, Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão Social da Defensoria Pública do Estado de Sergipe. E-MAIL: migueladvocate@folha.com.br