Nos maiores palcos da aldeia (Alê Alcântara)
Peixe grande num aquário
Publicado em 19 de setembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
.
Dias atrás, quando Pedro Luan deu a cara a tapa nos palcos da aldeia, apostei que o rapaz logo seria adotado pelo establishment. Dito e feito. Hoje, cinco anos depois de suas primeiras apresentações, o menino ganhou a moral de representar Sergipe num festival regional.
De fato, o rapaz não peca por desleixo. A voz sempre bem colocada entoa versos mais ou menos elaborados, com o acompanhamento de uma banda extremamente competente. Apesar de tanto cuidado, contudo, a música de Pedro Lua não me convence.
Já não tenho idade para fazer concessões. Para mim, mais do que uma afinação impecável, um cantor precisa de personalidade. Alcançar as notas marcadas numa pauta é o de menos. Difícil é mergulhar de cabeça no abismo das emoções, esmurrar o coração cansado dos derrotados.
Estou ciente de exigir muito. Mas as referências cultivadas ao longo de uma vida inteira, aliadas a um acordo tácito de honestidade, firmado com o leitor, me impede de medir as palavras. Pedro Luan canta igual aos calouros dos programas de auditório. Um desavisado poderia o tomar por um competidor do global The Voice.
O diamante na agulha de minha vitrola está acostumado a fazer carícias escandalosas. Pelos alto falantes, transborda a doçura desesperada de Chet Baker, um perfume amargo de uísque e charutos baratos ecoa junto aos pigarros de Tom Waits. Isso, para não mencionar Sara Vaughan, Billie Holiday, Louis Armstrong, Nina Simone. Nem seria preciso ir tão longe. Milton, Belchior, Elis Regina, Amelinha, Tom Jobim, cantam em bom português, feito gigantes. Este, aliás, comunica a maior dor do mundo, quase sem ar nos pulmões, com um fiapo de voz: “Escuta agora a canção que eu fiz pra te esquecer, Luíza”. A mim, me comove.
Pedro Luan já conquistou um espaço confortável na acanhada cena local. Certamente recebe os elogios mais apressados com grande satisfação, agradecido. Convém, entretanto, não se dar por satisfeito com a cumplicidade dos próprios pares, ouvir também os críticos mais loquazes (haverá outro, pelas bandas da Atalaia?). Por enquanto, ele é só um peixe grande no aquário, sem calosde correr trecho e perigo.