Eleições no Brasil: Um eterno retorno.
Política e espetáculo
Publicado em 27 de agosto de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Campanha eleitoral na rua, nas ondas do rádio, nos canais abertos de televisão. A coluna aproveita a oportunidade para recomendar parte da produção audiovisual assinada por Fábio Rogério, repleta de implicações políticas. Trata-se aqui de quatro filmes realizados em momentos históricos diferentes, sempre com oportuna disposição para colocar o dedo na ferida.
A eleição é uma festa – Há quem acredite que o horário eleitoral na televisão não passa de um programa humorístico. A existência de candidatos/palhaços foi naturalizada pelos partidos políticos e acabou sendo adotada como uma ferramenta capaz de aumentar o coeficiente de votos. A eleição é uma festa, curta-metragem de Fábio Rogério, sublinha uma faceta preocupante da cultura política brasileira no cotidiano de dois candidatos à Câmara de Vereadores de Aracaju. Sob as máscaras, muito reveladoras, nenhuma plataforma política.
As imagens do curta foram capturadas durante o embate nas urnas e revelam o grau de pragmatismo (no pior sentido do termo) que exilou o debate de ideias para a Sibéria do pensamento nacional.
“A política partidária em sua grande maioria é isso mesmo, uma forma de garantir um cargo aqui, colocar um parente em alguma secretaria. Batman e Robin, os personagens de meu filme, sabiam que não seriam eleitos, mas acreditaram que poderiam ser beneficiados pelo grupo político a que estavam filiados, a depender de suas votações.
Acho que o curta é um reflexo da nossa fragilidade democrática”.
Ninguém sabe se ri ou se chora. De certo, segundo Fábio Rogério, somente a constatação de que a maturidade percebida na disputa eleitoral explica o ambiente político de nossos dias.
Operação Cajueiro – Uma semana antes do carnaval de 1976, em Aracaju, é desencadeada a Operação Cajueiro, uma das várias ações ocorridas nacionalmente para desmontar a resistência do Partido Comunista Brasileiro (o PCB). Na ocasião foram feitos vários prisioneiros políticos, entre trabalhadores e estudantes, que foram brutalmente torturados, física e psicologicamente. O documentário de Fábio Rogério, realizado em colaboração com Werden Tavares e Vaneide Dias, existe para fazer um registro histórico da resistência ao Regime da Ditadura Militar Brasileira, para que a luta jamais seja esquecida.
A vanguarda da resistência ao regime militar em Sergipe era formada por militantes muito jovens, que utilizaram os poucos espaços de poder então disponíveis para devassar a cortina de fumaça esticada pelos generais. A advertência da diretora Vaneide Dias aproxima juventude e militância, sublinhando a luta cotidiana e silenciosa dos atores dedicados ao embate.
“Apesar de muito novos, eles eram referência no Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal de Sergipe, nos centros acadêmicos, na imprensa. Goisinho era presidente do sindicato dos bancários. Milton Coelho integrava a diretoria do Sindipetro. Pedro Hilário era líder dos ferroviários. Foi com essa base social que eles atuaram politicamente nesse período e, alguns, após a abertura política, até hoje”.
O brado retumbante – Audiovisual, a serviço da memória política. As preocupações manifestas na produção do documentarista Fábio Rogério, ainda breve e já bastante significativa, emprestam ao relato puro e simples, de caráter supra jornalístico, o valor próprio do esclarecimento. Quando além do fato curto e grosso, emerge a motivação primeira de um discurso.
‘O brado retumbante’, colaboração com o cearense Marcelo Ikeda, retoma o fio da meada desata com ‘A eleição é uma festa’, e amplia a questão. Agora, a grande vírgula proposta pelo diretor diz respeito ao silenciamento da discussão, derivado da sedução pela imagem.
O brado retumbante resulta de uma compilação de 29 minutos, com imagens de arquivo extraídas do horário político eleitoral. O filme revela a natureza fundamental das imagens veiculadas em cadeia nacional durante a disputa mais recente pela presidência da República. Não há inserções, nem narração em off. O jogo sujo do poder dispensa qualquer comentário.
Ponto para os realizadores. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, a decisão de deixar as campanhas políticas falarem por si mesmas é das mais felizes. “It’s all business!”. Retórica e ideologias importam apenas enquanto elementos desejáveis do produto embalado pela imagem.
Impávido colosso – Selecionado pelo 29º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, com o tema ‘Em busca do tempo de agora’, o documentário ‘Impávido colosso’ (2018) não poderia ser mais oportuno. O filme comunica aquela que talvez seja a maior preocupação do realizador sergipano Fábio Rogério, aqui em parceria com Marcelo Ikeda: as implicações subjacentes entre política e espetáculo.
A partir de uma montagem da propaganda política obrigatória para a eleição presidencial de 1989, ‘Impávido colosso’ propõe um debate sobre a política tupiniquim, amparado pelo discurso dos principais candidatos de então, com acenos ao Brasil de hoje. Segundo Fábio Rogério, o fascínio é antigo, remonta à infância. E tem potencial para render muitos outros filmes.