Mulheres ainda publicam pouco, subestimadas, tolhidas, violentadas, silenciadas.
Por trás das persianas
Publicado em 07 de março de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Outro dia, sob o propósito de recomendar o primeiro romance de Camila Canuto, ajoelhei no milho e lembrei o descompasso flagrante entre os documentos de História, livros incluídos, em comparação com a realidade sensível de tempos idos, com reflexos notáveis ainda agora. Em geral não leio mulheres, afirmei, a fim de chamar atenção para a bandeira hasteada nos campos de batalha identitários, certo de ser aplaudido, reconhecido como um aliado. Cai do cavalo.
Uma artista mais ou menos conhecida na cidade, afetada e suscetível como sempre se mostram os artistas mais ou menos conhecidos de qualquer cidade, reagiu de forma brusca: Pois eu não leio mais Rian Santos, afirmou, definitiva. Leitora de artigos graves como os meus jamais serão, eu deduzo, ela não se ateve à ironia do texto, foi literal até a última vírgula, até a última palavra.
Quando afirmo “eu”, no entanto, refiro-me a mim e a todos os outros, ela mesma, nós todos, a abstração da sociedade. Ao longo dos séculos, menciono aqui um fato, mulheres publicaram pouco, foram subestimadas, tolhidas, violentadas, silenciadas. E por isso ainda são presença rara em todos os espaços de poder – mesmo nas prateleiras das livrarias e bibliotecas.
Puxo as palavras de Eduardo Galeano pela memória: nasce a mulher para verter lágrimas e leite, observar a vida por trás das persianas. Tem sido assim, foi sempre assim, não precisa continuar a ser assim. Para tanto, contudo, faz-se necessário ler Camila Canuto e todas as demais escritoras vivas capazes de transformar circunstância em linguagem.
Leia Camila Canuto, afirmo de novo. ‘Há uma lápide com o seu nome’, lançado há pouco, pode sim ser tomado por um libelo feminino e feminista do mais pungentes. Mais importante, para mim – um homem branco, com diploma universitário, pobre em vestes de classe média: o livro é bom pra caralho!