Quando tudo vira aposta e até o Vaticano entra em xeque
Publicado em 25 de abril de 2025
Por Jornal Do Dia Se
* Gregório José
Vivemos uma era onde o imediatismo venceu o mérito. O esforço foi substituído por atalhos, e o trabalho duro cedeu lugar à ilusão do dinheiro fácil. O brasileiro, em boa parte, embarcou nessa onda como um náufrago desesperado por uma boia. Só que a boia é inflável e tem nome: BET.
A explosão das casas de apostas, que se multiplicam como cogumelos em solo fértil, é o retrato nu e cru de um país que já não acredita na construção, apenas no chute. Apostamos em gols, escanteios, cartões amarelos, reality shows, eleições… O que antes era jogo virou negócio. E o que era negócio virou vício.
É o brasileiro tentando vencer o sistema, mas alimentando justamente o sistema que o escraviza. As BETs prometem milhões com um clique, e a juventude – nossa esperança de futuro – passa o dia na frente do celular, não estudando ou criando, mas esperando que um meia do Azerbaijão arranque um escanteio aos 86 minutos.
Enquanto isso, o mundo gira. E gira pesado.
No Vaticano, o cenário é outro, mas o desafio também é gigantesco. A morte do Papa Francisco, líder de um papado que buscou a misericórdia, a inclusão e o olhar periférico para a fé, abre um novo capítulo na história milenar da Igreja Católica.
O conclave – reunião sagrada que não aceita apostas, diga-se – se prepara para eleger um novo pontífice. São 135 cardeais. A maioria (108) escolhida pelo próprio Francisco. Um legado que carrega mais diversidade, mais representantes das Américas, da África, da Ásia. Um rosto mais global para uma Igreja que já não é apenas europeia – e que há muito não pode mais pensar como se fosse.
Mas nem tudo mudou. A Europa ainda lidera. São 53 cardeais, 39% do total. A Itália, fiel à tradição, continua como país mais representado, embora em número menor do que no último conclave. O Brasil comparece com sete representantes – uma marca importante para o maior país católico do mundo. E a idade média do conclave? 70 anos. Uma Igreja ancestral, que tenta se manter atual.
O que se discute na Capela Sistina não é o placar do próximo jogo, nem a cotação de um pênalti perdido. É a liderança espiritual de mais de um bilhão de almas. É o comando moral de uma instituição que, mesmo criticada, ainda pauta valores, ainda ilumina consciências – ou, ao menos, tenta.
Enquanto cá fora os jovens vendem o tênis pra apostar no próximo “ambos marcam”, os cardeais, com seus trajes rubros e silêncio solene, decidirão o sucessor de Pedro. Um homem que precisará, mais do que nunca, olhar para um mundo viciado em ruído, urgência e apostas – e lembrar que fé, esperança e caridade não se compram com odds de 2.5.
Talvez o novo Papa precise ser, além de líder espiritual, um educador global. Alguém que fale ao coração das massas, mas também ao cérebro da juventude. Que lembre que a vida não é um palpite, é uma construção. E que os grandes milagres não vêm de apostas, mas de atitudes.
Porque a fé verdadeira, ao contrário das BETs, não promete fortuna. Mas garante sentido.
Para quem ainda prefere acreditar no esforço ao invés da sorte é arregaçar as mangas e ir à luta, sem ferir ninguém.
* Gregório José, Jornalista/Radialista/Filósofo