Poder de mando
Rogo e oração
Publicado em 28 de fevereiro de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Chegará o dia quando as crônicas da aldeia serão redigidas com palavras de pura alegria, sem lamentos por chuva e protestos de palco para os sanfoneiros. Até lá, as nuvens magras no céu do sertão, o horizonte seco do Brasil profundo, vão estremecer a cada gota de suor e de lágrima, como se diante de uma anunciação.
A voz forte da cantora Amorosa, por exemplo, é chuva fina em solo esturricado, prenhe de esperanças. Ela canta “Amor eu tô sofrendo…”, emprestando os abismos no peito para os versos de Ismar Barreto, e o espírito da aldeia se arrepia inteiro, dos pés à cabeça, impressionado com a beleza de raízes enterradas no próprio quintal.
Como Amorosa, ave rara, no entanto, existem muitos outros. Gente que faz rir e chorar e conhece os mistérios da poesia como a palma de sua mão. Mestrinho é um; Cobra Verde é outro. E quando falam a sua gente, em floreios de sanfona, cumprem uma promessa de grandeza que só não vinga de uma vez por todas em razão de podres poderes e vil metal.
A indústria da seca, alimentada para o proveito econômico e eleitoreiro dos capitalistas da fome, almas sebosas, sem coração, explora também a sensibilidade nativa, mantida a pão e água. O talento genuíno não floresce do dia para a noite, não cresce feito mato, tem um tempo de maturação incompatível com a pressa gananciosa dos empresários do entretenimento. Forró de plástico, por outro lado, é produto descartável, sucesso fácil de fabricar e vender.
Hoje, justamente quando Amorosa tem poder de mando, presidente da Funcap, rogamos todos que ela faça como o colega Chico César, quando esteve secretário de Cultura na sua Paraíba natal. Sem disposição para fazer o jogo sujo da grana, ele investiu contra o forró de plástico, em benefício do artista popular de verdade. Algo assim, de tal feitio, em praias sergipanas, teria o efeito de uma revolução.
Hoje, justamente quando Amorosa tem poder de mando, louvamos a quem bem merece, em forma de oração.