Sem sacanagem
Publicado em 28 de dezembro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
A dança das cadeiras promovida pela sucessão estadual motiva toda sorte de especulações. Palpites e conversa fiada animam a mesa do bar – última instância da opinião pública. Alguns, no entanto, extrapolam a lorota deitada na língua grande dos desocupados. Ainda bem.
Há palpites nascidos de informação confiável, pautados por interesse legítimo. Estes têm algum fundamento. Por exemplo: Um passarinho me conta que Nitinho Vitale indicou o nome da cantora Amorosa para a presidência da Fundação Aperipê. Há entraves burocráticos relacionados à prestação de contas exigida aos beneficiários da Lei Aldir Blanc. A artista foi contemplada em edital aberto para a publicação de obra literária inédita, mas não escreveu o livro, nem devolveu o dinheiro que financiaria o produto de sua inspiração. O recurso foi desperdiçado porque Amorosa pretendia vencer laudas e laudas no lombo do próprio punho, escrever página por página à mão.
O projeto literário de Amorosa revelou-se temerário. Mas isso, para mim, é o de menos. Admirador declarado de sua voz forte, eu faço, contudo, ressalvas à atuação da cantora como gestora. Além disso, confesso, receio que a religiosidade capaz de suplantar o trabalho realizado nos palcos do mundo contamine também os destinos da Cultura em Sergipe. Para todos os efeitos, Amorosa já não canta, antes adora o mito a quem dá o nome de Criador.
Visito a pagina de Amorosa nas redes sociais e me dou conta de algo que a meus ouvidos soa absurdo: os versos entoados com precisão indiscutível não carregam mais nenhum vestígio da obra de um Ismar Barreto, por exemplo. Todas as notas arrancadas a sua garganta são dedicadas ao deus de olhos azuis dos evangelhos. O amor doído e o traço sacana do maior entre os maiores compositores da terrinha já não contém com a defesa da cantora para sobreviver.
Neste particular, um post de Amorosa chama atenção pelo desserviço flagrante. Se vivo estivesse, Ismar Barreto teria feito 69 no dia 01 de outubro – em mais de um sentido, talvez. Ao invés de chamar atenção para a riqueza de sua música, no entanto, Amorosa preferiu depor a respeito de supostos arrependimentos e de uma suposta conversão espiritual, revelando as prioridades e aflições do próprio espírito. Esta é uma visão de mundo legítima, não resta dúvida. Mas não convém à Cultura de Sergipe.