Sergipano bom, sergipano legal
Publicado em 18 de dezembro de 2020
Por Jornal Do Dia
* Luciano Correia
O poeta, publicitário e jornalista Carlos Cauê não veio a Sergipe para ser nada disso. Quer dizer, os poetas nascem antes dos poemas, até pela alma que denuncia a poesia desde cedo, transbordando para o cotidiano nas suas peculiares formas de manifestação. Mas veio para Aracaju se tornar engenheiro químico pela UFS, recém instalada no campus de São Cristóvão. Da simpática casinha do sr. Hildebrando e da dona Maria de Lourdes no bairro de Ponta Grossa, nas franjas do estádio Rei Pelé, deixou sua instigante Maceió para se aventurar em terras sergipanas. Armou cama no endereço da república da Rua da Frente, uma das tantas que a universidade federal mantinha para alunos carentes do interior ou de outros estados. Ali, ganhou a simpatia e o respeito de todos, impondo-se pela capacidade de liderança, pelo afeto distribuído e pelo canto diário sob o chuveiro, amplificado para todos os corredores da velha casa ao lado do antigo Mobral, perto da Secretaria de Educação.
Ganhou mais que amigos, irmãos para sempre. Dos espetáculos no chuveiro, foi um pulo para o Coral da UFS. Do equilíbrio, competência e liderança já evidentes, foi parar nas assembleias que o tornaram presidente do DCE. Que ninguém duvide da capacidade política do jovem militante: numa das eleições para a representação no Consu, o Conselho Universitário, venceu no voto um outro jovem proeminente de quem ouviríamos falar muito no futuro: um tal Marcelo Déda, brilhante aluno do curso de Direito e, como Cauê, combativo soldado do movimento estudantil da UFS no começo dos anos 80.
Vítima ele mesmo da explosiva combinação de poesia e política, sobrou para a engenharia: no curso do terceiro ano o poeta já conhecido na Aracaju menina dessa época era figura presente em saraus dentro e fora da comunidade acadêmica. E a engenharia ficou para trás, embora levasse dela régua e compasso para ser o que quis depois, valendo-se dos traçados dessas ferramentas para moldar sua racionalidade, visão do mundo e da vida, o tempero certo para conviver com o poeta sempre manifesto.
Da militância, de tanto acurar-se nos seus intrincados caminhos, buscar significados e significações, acabou sendo muito mais que militante. De tanto entender o discurso, decupou seus segredos e foi compor as narrativas. Numa política já midiatizada, onde o teatro de operações é tão essencial e decisivo quanto a realpolitik das ruas, foi construir a cena, ou, como dizem os franceses, a mise-en-scène. Virou um Papa nisto, sem perder a ternura e a dignidade. Ganhou muitas e muitas eleições e aqui, que se diga, não há exagero em dizer que ele ganhou. Evidentemente, esteve sempre ao lado dos melhores projetos, não por coincidência, seus amigos, do entorno político-eleitoral a que sempre pertenceu.
Até sua última vitória, ao lado do prefeito reeleito Edvaldo Nogueira, já se vão longos 40 anos, o tempo necessário para plantar árvores, escrever livros e ter filhos. Desses aí, só a paternidade foi cumprida no singular, talvez pela grandeza de sua filha Fernanda, tão linda e amorosa que bastou só ela, dispensando possíveis irmãos. As Alagoas e sua doce Maceió não ficaram no esquecimento. Antes de qualquer impulso traiçoeiro do coração, abriu endereço também lá, a poucos metros das águas azuis da Jatiúca, onde vai periodicamente despachar com a parentada, na mais profana e alegre pajelança regada a beijos, abraços, vinho e cerveja.
Maceió e Alagoas entendem esse amor bissexto, que pinga lá três ou quatro vezes por ano, por um outro amor imenso, do tamanho da praia de Atalaia, onde está fincada sua morada sergipana. Primeiro a cidade, que já lhe dera o título de filho, agora o Estado, que aloja a infinita legião de amigos e admiradores, estes que também se fizeram um caso inexorável de paixão. De modo que agora nada mais lhe falta: é filho de Sergipe também. Numa marchinha famosa dos anos 60, o produtor musical Pinga, empresário dos principais nomes da MPB durante muito tempo, compôs uma marchinha que buscava dar conta dessa coisa tão gostosa que é ser sergipano. A letra começa assim: "Para ser bom sergipano, é preciso ser bacano…". Não precisa cantar mais. Cauê entrou na galeria dos grandes sergipanos.
* Luciano Correia, jornalista e professor da UFS, é presidente da Funcaju