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SERGIPE NA GUERRA DE CANUDOS


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Publicado em 24 de abril de 2024
Por Jornal Do Dia Se


* Thiago Fragata
 
A Guerra de Canudos aconteceu no sertão da Bahia, entre novembro de 1896 e outubro de 1897. Nesse período, quatro expedições militares visaram o extermínio do Arraial do Belo Monte, dos seus guardiões, os jagunços, e do seu líder espiritual Antônio Conselheiro. Muitos sergipanos se envolveram no conflito, uns para defender o Belo Monte, outros para honrar o Exército e os ideais da República proclamada em 1889. Esse artigo pretende lembrar alguns militares sergipanos imersos no conflito. 
Euclides da Cunha, então jornalista-correspondente do jornal O Estado de São Paulo, esteve na região sitiada em setembro de 1897. Na ocasião, fez amizade com o engenheiro-militar José Siqueira de Meneses, de quem obteve pormenores e escritos sobre os sertanejos e seu habitat, a caatinga. Mas, esse sancristovense não foi – como nos faz pensar Os Sertões (1902) – o único sergipano que retornou vivo da Guerra de Canudos. Em todo caso, suas estratégias, inteligência e coragem foram destacadas na obra. Siqueira de Meneses foi “o guia perfeito… jagunço alourado… o olhar da expedição [vitoriosa]” (1), escreveu Euclides. José Calasans Brandão da Silva, saudoso canudólogo, demonstraria que o jornalista fluminense não usava de hipérboles quando descreveu Siqueira. (2)
Afora as deserções e mortes de tantos anônimos, Euclides da Cunha enfatiza o caso de 3 mártires da guerra, 3 sergipanos: o capitão José Salomão Agostinho da Rocha, o tenente Odilon Coriolano e o alferes Antônio Wanderley. O capitão Salomão da Rocha, nascido em Estância, liderava a bateria do 2º. Regimento de Artilharia, do 7º. Batalhão de Infantaria, comandada pelo coronel Moreira César. Na batalha contra as hostes de Antônio Conselheiro, em março, o fogo dos 4 canhões krupps, que compunham a referida bateria, cessou depois que os jagunços dizimaram a golpes de foice a divisão Salomão. 
Da mesma expedição Moreira César, outro sergipano que teve a palavra Canudos como epitáfio foi Antônio Wanderley. Na ansiedade da refrega, o destemido alferes tomou as rédeas de sua montaria para fazer frente ao cinturão inimigo, que guarnecia a favela do Belo Monte. Num lance heroico e frustrado, precipitou-se, cavalo e cavaleiro, crivados de balas. 
Fim trágico acometeu também o 2º tenente Odilon Coriolano. Partícipe da 4ª. Expedição a Canudos, o tenente foi vítima da matadeira, como os jagunços chamavam o Witworth 32, o maior canhão levado até o campo de batalha pelo Exército. Ignorando a peça mal obturada, Coriolano, um médico e alguns subordinados morreram quando um disparo detonou acidentalmente um barril de pólvora.
Relendo Os Sertões, obra referencial para compreensão da guerra fratricida, percebe-se que a tropa do 26º. Batalhão de Infantaria de Sergipe esteve envolvida no conflito até o último cerco (30/09/1897). Por outro lado, já em novembro de 1896, o referido batalhão aditava sua força para compor a 2ª. expedição, comandada pelo major Febrônio de Brito. Diante dessa informação, fica a interrogação a respeito da falta de pesquisas sobre a participação dos militares sergipanos, seja da Polícia do Estado de Sergipe, seja do 26º. Batalhão de Infantaria de Aracaju. 
Outros militares sergipanos, além dos citados por Euclides da Cunha, figuram no Dicionário Bio-bibliográfico Sergipano (1925), de Armindo Guaraná. Álvaro Telles de Menezes, médico do exército que trabalhou no presídio da ilha de Fernando de Noronha, em 1882; Antônio Esteves da Silveira e o general Antônio Sebastião BazílioPyrro. Todos tiveram participação na Guerra de Canudos. Antônio Esteves combateu com intrepidez ao lado dos seus companheiros de armas, foi recolhido ao hospital de sangue depois de comprometer a cabeça e a perna em combate. Antônio Sebastião foi promovido a major por merecimento ao término do conflito sangrento. (3) O pesquisador Manoel dos Passos de Oliveira Teles revela que seu tio, José Moniz Telles, de Laranjeiras, tombou em Canudos, na batalha de 18 de julho de 1897.(4) O médico Benjamim Fernandes da Fonseca, natural de Boquim, fez parte da Coluna Savaget. (5)
O total de militares sergipanos que combateram na Guerra de Canudos constitui uma incógnita dos estudos históricos, não é a única. As pesquisas contabilizam cerca de 400 militares, desconsiderando os civis. O governo de Sergipe homenageou os soldados que retornaram da expedição vitoriosa, concedendo cinco contos de réis para festa da recepção (6), na qual o tenente-coronel Siqueira de Meneses foi agraciado com uma espada.(7) Durante a primeira metade do século XX, homenagens e eventos cívicos lembravam os “heróis” daquele momento crítico da República. 
As razões que ocasionaram a vitória da 4ª Expedição a Canudos, assim como as armadilhas da “cidadela-mundéu” e dos jagunços, que desbarataram as 3 expedições anteriores, esperam estudos e reflexões. A última expedição teve o comando geral do tenente-coronel Artur Oscar Guimarães de Andrade, que planejou atacar o Belo Monte de pontos opostos, seguindo os roteiros: Queimadas/Monte Santo/Canudos e Aracaju/Jeremoabo/Canudos. Focaremos, neste artigo, um aspecto da 4ª Expedição: a coluna Savaget e seu itinerário em Sergipe. A referida coluna honra o nome do seu mentor, o general Claudio do Amaral Savaget.
O efetivo do Exército brasileiro deslocado para Queimadas, na Bahia, foi dividido em 6 brigadas. A Coluna Savaget congregou uma bateria de artilharia (4 canhões) a 4ª, 5ª e 6ª brigada. Estas reuniam os batalhões do Rio Grande do Norte, Piauí, Rio Grande do Sul e Sergipe, totalizando 2.546 homens. Os raros trabalhos que analisam a 4ª Expedição secundarizam a Coluna Savaget e sua importância na vitória do Exército republicano. Infelizmente, a heroica marcha de Aracaju a Canudos ainda não virou livro. Algumas obras de referência acenam para exeqüibilidade do intento. Constantino Nery, n’A Quarta Expedição a Canudos, descreve a chegada da Coluna Savaget em Aracaju, no dia 27 de abril de 1897, sua permanência até 2 de junho, bem como seu itinerário até Geremoabo, na Bahia. (1) Outra fonte é o livro de Walnice Galvão, No calor da hora: a guerra de Canudos nos jornais, de 1977, que reúne cobertura da imprensa nacional sobre o conflito.
Nem todos os documentos sobre a Guerra de Canudos foram compulsados. Uma reminiscência da Coluna Savaget foi analisada na dissertação de Carlos Perrone Jobim Junior, intitulada A vida mal vivida: diário de um marangunço – memórias de um soldado na Revolução Federalista e na Guerra de Canudos (1893-1897). O diário narra as aventuras do soldado Isidoro que, saindo de Porto Alegre, em 26 de março de 1897, passa na Baía de Guanabara, desembarca em Salvador, no dia 13 de abril, embarca para Aracaju, marchando, no dia 4 de maio, pelos sertões de Sergipe e Bahia. O soldado pertencia ao 12º batalhão, integrante da 4ª brigada. A 5ª e 6ª brigadas deixaram a capital sergipana no dia 22 de maio, na retaguarda. (2)
O itinerário da Coluna Savaget pelo interior sergipano começou, então, em Aracaju, seguindo pelas cidades de São Cristóvão, Itaporanga, Lagarto e Simão Dias. Colhemos informações acerca do estacionamento das tropas nos dois primeiros municípios. Na histórica São Cristóvão, o 33º e 40º batalhões se aquartelaram no Convento São Francisco, em cuja oportunidade, por descuido de um soldado, um incêndio foi iniciado no soalho da Sala Pequena, que foi controlado por conta da ação dos moradores. (3) Em Itaporanga, as tropas fizeram parada de 10 dias. Gilberto Amado rememora que seu pai, dono de hospedaria, ofereceu guarida para Savaget e seus pares, mas que a maioria da oficialidade armou cabanas no mercado aberto. (4)
Apesar da temeridade da população sergipana quanto à presença dos militares, não houve desordens ou desocupação de imóveis. No período em que a Coluna montou posto de alistamento em Aracaju, as feiras não eram freqüentadas por homens, pois havia o trauma do alistamento compulsório notabilizado durante a Guerra do Paraguai (1870-1875). A população, apreensiva com o terror da guerra, receava que os militares pudessem se apossar de suas propriedades. Entretanto, reinou a disciplina e a ordem durante a marcha de 74 léguas até o teatro da guerra. “De Sergipe iam as tropas/ A jornada era a pé/ Passaram em Várzea da Ema/ Tejipan e Macambira/ Soldados cheios de fé/ E outros cheios de ira/ Eles eram comandados/ Pelo bravo Savagé”. (5)
Apesar do epíteto “Coluna Talentosa” – como foi alcunhada pelos próprios conselheiristas – da sua importância para vitória do Exército, é preciso discutir suas mazelas. José Calasans Brandão da Silva, nosso maior canudólogo, relutou em divulgar “versos chistosos” sobre o comportamento dos oficiais da Coluna Savaget. A deserção era, sem dúvida, o maior estigma que um soldado poderia legar ao seu batalhão. Pior do que a mácula das deserções era a debandada, a exemplo daquela que findou a Expedição Moreira César em 4 de março de 1897. (6)
Em pesquisa no Arquivo Geral do Tribunal de Sergipe encontramos documentos esclarecedores sobre o referido tema. O primeiro trata-se de um Sumário de Culpa, oriundo da comarca de Itabaiana, onde Manuel Marques acusa o soldado do 26º. Batalhão, Juvenal da Cunha Mesquita, desertor da Coluna Savaget em Geremoabo, de liderar um grupo de salteadores que aterrorizava o termo daquele município. (7) O segundo é um Recurso Extraordinário, de 1925, onde João Getirana, alferes do Corpo de Polícia do Estado que defendeu a trincheira de Santo Amaro, na fronteira com a Bahia, e lutou na 2ª expedição, pede reintegração dos vencimentos ao Estado, apesar da sua demissão arbitrária, em janeiro de 1897. (8) Os dois casos exemplificam a rebeldia de militares sergipanos, mas não se pode generalizar. Significativa parcela do 26º Batalhão de Sergipe lutou até o último cerco. 
A intrépida Coluna Savaget foi recepcionada com festa solene em Simão Dias, cidade fronteira-trincheira, no dia 3/6/1897. Dias depois, salvaria o Exército republicano de mais uma derrota, segundo palavras do próprio Artur Oscar Guimarães de Andrade, comandante geral da última expedição militar a Canudos. (FIM)
 
*Thiago Fragata é historiador, escritor e multiartista E-mail: [email protected]
 
FONTES DA PESQUISA
1 – CUNHA, Euclides. Os sertões. São Paulo: Ática, 2000, p. 313.
2 – SILVA, José Calasans Brandão da. Algumas fontes de Os Sertões. Separata da Revista de Cultura da Bahia. Salvador, n. 6, jul/dez 1971.  
3 – GUARANÁ, Armindo. Dicionário Bio-bibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Pongetti, 1925.
4 – OLIVEIRA TELES, Manoel dos Passos de. Sergipenses. Aracaju: Typ. D’O Estado de Sergipe, 1897, p. 65-68.
5 – MEDINA, Ana Maria Fonseca. Um médico boquinense em Canudos. Cinform. Aracaju, ano XXIV, n. 1215, 24 a 30/07/2006, p. C2.
6 – Lei n. 246, de 8/11/1897. In: Compilações de leis, decretos e regulamentos do Estado de Sergipe (1897/1898) Vol. IV. Aracaju: Typ. do Estado de Sergipe, 1900, p. 29. 
7 – Lei n. 247, de11/11/1897. Idem, p. 29.
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