SOB OS ESCOMBROS DO EDIFÍCIO, UMA DAS TRAGÉDIAS BRASILEIRAS
Publicado em 06 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia
Talvez, não por inteira desgraça, mas, pela graça da reflexão que suscitam, as nossas tra-gédias brasileiras começam a ganhar corpo no indispensável debate político, agora, intensificado pela proximidade das eleições. Sob os escombros do edifício incendiado e desmoronado, além da comoção pela amplitude do desastre, revelou-se a face de uma calamidade social que a megalópoles paulistana incorporou, sem nenhuma cerimônia, ao seu cotidiano, como se fosse algo normal ter milhares de seres humanos sobrevivendo precariamente em edifícios, inclusive públicos, abandonados, e que, como ficou fatalmente demonstrado, às vezes são consumidos pelo fogo, desabam, e matam os seus moradores.
Depois de consumada a tragédia, divulgam-se, agora, os números de uma realidade devastadora, talvez, guardados despreocupadamente nos escaninhos burocráticos. São Paulo, a cidade, tem cerca de 300 edifícios abandonados, públicos, ou particulares,na maioria ocupados por quem não tem onde morar. São Paulo, o estado, teria uma carência de mais de um milhão de moradias. Sobre moradores de rua, os cálculos oscilam entre limites largos de dez à cinquenta mil.
Tudo isso, na cidade féerica, trepidante, onde estão as sedes das grandes corporações industriais, financeiras, comerciais,as imensas fortunas, os megaempresários, onde existem as mais conceituadas instituições cientificas, os centros acadêmicos de primeira linha.
Há, em São Paulo, todo um aparato de conhecimento científico, tecnológico, a sofisticação do pensamento econômico e social, enfim, uma rede disponível de conquistas humanas, para que se formulem ideias e se apliquem as soluções.
Apesar de todas essas referências, que apontam para a quase excelência, São Paulo é a fotografia mais nítida das imperfeições brasileiras, e a mais constrangedora, porque, ali se faz a imagem ampliada das nossas desigualdades; no caso paulistano, o abismo mais profundo de distancia entre a riqueza portentosa, as vezes até ostentatória, e a mais aviltante miséria, sem recatos exposta.
O que mais assusta em tudo isso, é que o tamanho do abismo social, exemplificado pela tragédia, e onde sobressai o desmazelo dos poderes públicos, parece ser um tema impróprio, que deve dar lugar a uma interpretação mais simplista, como, por exemplo, a criminalização dos movimentos sociais pró moradias.
O janotinha enfatiotado João Dória, que fingiu fraudulentamente administrar São Paulo, como gestor que levava ao mais alto grau a resolutividade, diante da noticia do desastre, logo capciosamente o diagnosticou `a distancia: ¨No prédio instalou-se uma facção criminosa ¨.
Típico representante da picaretagem que invade a política, Dória se fantasiou, quase à perfeição, como o ¨messias salvador¨ bem nascido na ¨manjedoura ¨ reluzente, onde os restos do banquete são incinerados. Assim,não chegam à boca do faminto, fazendo-o perigosamente supor, que a mesa da fartura poderia ser menos injusta do que é, restrita a uns poucos comensais.
Então, se há miseráveis mofando em prédios públicos abandonados, mais cômodoseria então criminalizá-los.
Aos ouvidos seletivos, que se fazem moucos ao vozerio dos espezinhados, ainda soa, como suave e inspiradora música, a frase dos rancorosos passadistas: ¨Problema social é caso de polícia ¨.