Sobre oportunidade e oportunismo
Publicado em 30 de novembro de 2018
Por Jornal Do Dia
* Miguel dos Santos Cerqueira
Se existe uma verdade quase que univer- sal, é que as oportunidades vêm para quem as procura e está disposto a trabalhar arduamente para que se tornem realidade, inobstante as chances de sucesso se apresentarem alvissareiras.
De fato, todo grande oportunista, aquele que almeja e ambiciona alçar grandes vôos, mesmo que não dotado de grande inteligência, necessita de tirocínio, de absoluta falta de escrúpulos em suas ações e instinto aguçado para saber se impor.
Um exemplo lapidar de oportunista, que em tudo guarda parecença com certos indivíduos da cena hodierna brasileira, que trafegam pelos espaços jurídicos e ambicionam alçar grandes vôos na política, foi o obscuro jurista russo André Vychinski, o grande jurista de Josef Stálin, o responsável pela condução dos famosíssimos "Processos de Moscou", em meados das décadas de 1920 e início dos anos 1930, que dizimou toda a velha cúpula do Partido Bolchevique e assegurou a Josef Stálin o domínio incontestado da então União Soviética.
André Vychinski, que era um católico convicto, posto que originário de uma família católica polonesa, dotado de um grande senso de oportunidade, se juntou aos bolcheviques em 1920, depois de se opor durante o processo da Revolução que resultou na queda do Regime Tzarista. Professor e advogado adotou a conveniente tese de que a sobrevivência da Revolução, o desvencilhar dos elementos inconvenientes, ou seja, dos revolucionários originários, necessitava de um Direito excepcional para tempos excepcionais. Grandíssimo bajulador de Josef Stálin, pelas mãos do Comissário foi alçado à condição de diretor da faculdade de Direito de Moscou e Reitor da Universidade de Moscou, e por fim guindado a condutor dos chamados "Processos de Moscou" como promotor e como juiz.
Não mentiu Francis Bacon, grande filosofo e pensador inglês, quando no seu ensaio intitulado "Da Audácia", afirmou que ela: "prevalece até sobre os homens sábios nas horas da fraqueza. Por isso vemos que ela fez maravilhas nos Estados populares, menos do que nos governados por Senados ou por Príncipes;"
De fato a audácia, o oportunismo e os oportunistas vicejam e prevalecem nas horas de fraqueza e em Estados não verdadeiramente democráticos. Foi assim na União Soviética sob o domínio de Josef Stálin. Foi assim na Itália sob Benito Mussolini. E foi está sendo assim no Brasil hodierno.
Na Itália, por exemplo, nos anos 1920, sob o Regime Fascista, Antônio Gramsci, então deputado ao Parlamento Italiano e, portanto protegido pelas imunidades asseguradas na Constituição, foi acusado de crimes que não havia cometido, tendo sido arrastado ao Tribunal Especial de Roma, quando o então procurador fascista, um bajulador de Benito Mussolini, com pretensões de alçar vôos na estrutura burocrática do Estado, não se deu ao trabalho de demonstrar que as acusações, lançadas contra Antônio Gramsci, se baseavam cm fatos.
No libelo, ou seja, na denúncia, a principal imputação consistia pura e simplesmente na demonstração de que Gramsci era o Chefe reconhecido do Partido Comunista, partido legal na Itália quando Gramsci foi preso. Mas o procurador foi ainda mais cínico e brutal. Afirmou que a prisão de Antônio Gramsci tinha o exclusivo intuito de "Por vinte anos impedir a este cérebro de funcionar".
Destarte, se vê que acusação que pesava ou pesou sobre Antônio Gramsci, proferida por verdugo fascista, camuflado de juiz, rasgava todos os véus das formas e das ficções jurídicas, pondo a nu de modo brutal a substância do processo, da condenação e da perseguição que levou Gramsci à morte: o medo e o ódio de classe implacável das castas reacionárias que governavam o país.
Por ordem da burguesia reacionária italiana, e de Mussolini, Antonio Gramsci foi jogado na prisão, segredado de todo mundo. Por ordem de Mussolini, toda noite, durante anos e anos, os carcereiros, entravam, rumorosamente duas, três vezes na cela de Antonio Gramsci a fim de privá-lo do sono e reduzir-lhe ao extremo as energias físicas e nervosas. Por ordem de Mussolini, a ele, doente febricitante, impossibilitado de alimentar-se de modo regular, estendido no leito por semanas inteiras, foi negada a assistência médica.
Com efeito, se pode ver que sempre e sempre existirão homens audaciosos, sem quaisquer escrúpulos em perseguirem os adversários e desafetos dos seus chefetes. Homens que são oportunistas, que estão sempre propensos a fazer o jogo sujo e a sujarem as próprias mãos, tudo no sentido de fazerem a vontade dos seus chefetes e então alçarem grandes vôos.
De fato, o hábito da moeda de troca e o senso de oportunidade e oportunismo não foi inaugurado no Brasil no andante século XXI, basta que se reviste a história inaugural de todos totalitarismos e fascismos que vigoraram mundo afora.
* Miguel dos Santos Cerqueira, Defensor Público em Aracaju/SE, estudioso de economia, história e militante de Direitos Humanos