Quarta, 26 De Março De 2025
       
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Tudo sobre meu pai


Publicado em 18 de janeiro de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Uma infância feroz de 68 anos.

Rian Santos – riansantos@jornaldodiase.com.br

O meu pai tinhas os pés leves. Passou pela vida sem deixar outra marca, além das pegadas breves de malandro – um rastro desenhado a passos de gafieira. Foi, aliás, um pé de valsa como nunca se viu em salão algum. Os problemas o assaltavam, incontornáveis. Ele jogava a barriga de lado, inventava uma pirueta.
O meu pai tinha um coração imenso, onde cabiam todas as mulheres do mundo – as putas, em especial. Nos dias de ócio, ele sentava à porta da casa velha, na beira da cidade, como um pescador à margem do rio. Conversa besta. Uma cerveja, outra. Olhos de peixe morto. A modorra durava até a brisa perfumada do acaso levantar um rabo de saia.
O meu pai foi um homem santo. Jamais quis saber de pecado. Hoje, quando ele já não pode jurar por Deus, em nome da mãe morta e enterrada, os amigos de copo rezam brindes com a língua enrolada numa espécie de latim, em missa de corpo presente. Uma saideira após a outra, os incrédulos testemunham a transformação da saudade em um amontoado de garrafas vazias, surpreendidos pela grandeza material do milagre.
O meu pai viveu uma infância feroz de 68 anos, defendida com unhas e dentes, apesar de todos os pesares. Tinha os pés leves, o coração imenso, a alma livre de pecados.

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