Caracterização impecável
Um clássico e uma estreia
Publicado em 15 de novembro de 2014
Por Jornal Do Dia
* Anderson Bruno
Em 1967, estreava nos cine mas americanos o filme "Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas" (Bonnie and Clyde, Arthur Penn, EUA, 111 min). Misto de filme romântico, cômico, dramático e de ação, o longa metragem estabeleceu um paradigma na cinematografia estadunidense.
Foi chocante para uma sociedade até então acostumada a assistir filmes bíblicos, de comédias ligeiras ou então a dramas de estrutura convencional, acompanhar a história do famoso casal de bandidos ianques com tamanha realidade na violência retratada.
O subtítulo ‘Uma Rajada de Balas’ vem muito bem a calhar. Todo o filme é entrecortado por tiroteios. Inclusive na construção da cena final. Ela é emblemática justamente pelo uso da carnificina extrema proporcionada por uma saraivada de tiros de metralhadora no casal de bandidos.
Bonnie (Faye Dunaway) e Clyde (Warren Beatty) se apaixonam perdidamente e decidem roubar bancos. O enquadramento em close é constante. É o poder magnético da beleza dos bandidos para causar empatia na plateia. É como uma publicidade que vende algo bonito. Toda a ação tem como pano de fundo a grande depressão americana ocasionada pela quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929. O filme se passa entre os anos de 1931 a 1934.
Pode-se dizer que é o retrato da própria perda da inocência. Um país como os Estados Unidos, que se vangloria a todo o momento, teve um declínio de poder nessa derrocada capitalista. A míngua durou toda a década de 1930. O ‘American Way of Life’ virou apenas um verbete sem sentido para a majoritária pobreza estabelecida no país. Esse âmbito é um paralelo com a própria história do cinema à época de 1960.
De certa forma influenciado pelos ideais da ‘Nouvelle Vague’, o filme exaltou o anti-heroísmo dos protagonistas. Um simbolismo análogo à hipocrisia social de uma país onde tudo é belo e funciona de acordo com rótulo colocado. Bonnie, Clyde e as milhares de famílias miseráveis à época são o seu conteúdo: excluídos e marginais. Cada um à sua maneira.
A produção nacional "Tim Maia" (Mauro Lima, BRA, 2014, 140 min), como o próprio título já anuncia, reflete em tela a vida e obra do carioca Tim Maia.
O interessante é perceber a violência da personalidade do astro brasileiro da música ‘soul’. Ao findar a película, essa faceta não muito nobre do nosso personagem principal se sobressai com louvor. Se essa característica acentuada está na mesma proporção imersa nas palavras da obra literária "Vale Tudo – O Som e a fúria de Tim Maia", eu não sei. Não li o livro. A obra é de Nelson Motta e foi lançada em 2007. Apenas sei que o filme transparece um pouco de apelo barato para atrair público e gerar polêmica.
Quem não gosta de um barraco, não é mesmo? Pois Tim Maia era campeão em arranjar confusão. Realmente tá aí uma de suas marcas registradas. Só que no longa essa má conduta aparenta ser mais um estigma de apelo para chamar audiência.
O ator Babu Santana dá vida ao nosso síndico, como bem diz a letra da canção "W/Brasil" de seu amigo Jorge Ben Jor. Sua caracterização é perfeita. É o próprio Tim Maia em cena. Todas as músicas são dubladas.
A ‘Globo Filmes’ sempre produz bons materiais audiovisuais. Os cenários são bonitos, a fotografia bem cuidada, a direção, o roteiro, a edição, o som, enfim. Praticamente todas as suas produções são muito bem trabalhadas. Apenas a interpretação não é muito semelhante ao real. Assim foi com Nelson Xavier, ao interpretar o médium Chico Xavier. Sua caracterização era idêntica à do líder espiritual, mas sua interpretação não.
Isso não significa ausência de mérito dramatúrgico dos atores ao personificar os papéis. De jeito nenhum. Suas interpretações fluem, de acordo com seus diretores e de acordo com suas construções particulares de personagem. É apenas necessário ressaltar o contraponto estabelecido entre as etapas técnicas da produção (aprofundado) versus a personificação interna das personagens pelos atores (superficial).
O filme acompanha a carreira do cantor desde a infância, passando pela adolescência nos Estados Unidos, depois no auge do sucesso musical e vai até culminar na sua morte, aos 55 anos, de infecção generalizada.
* Anderson Bruno é crítico audiovisual.