Atalaia, anos 80. Nunca mais fomos tão íntimos do mar(Arivaldo Azevedo Santana)
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Um dia de sol
Publicado em 20 de dezembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
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O verão é uma disposição do espírito. O hábito do mar deixa na pele uma alegria primitiva, exclusiva das crianças e dos homens em pouca roupa, muito parecida com a coragem das primeiras caravelas enfrentando o oceano, quando todo mistério era convite ao desafio.
Em Aracaju, no entanto, apesar do sol ardendo o ano inteiro, tal arrebatamento jamais se entrega sem luta. Um dia de praia, exceção reservada aos domingos e feriados, alvorece exclusivamente no humor individual de cada um, bastardo dos tambores comunais responsáveis pela sugestão da conquista. Tambores desanimados de preguiça. Tambores mudos de fastio.
Sem o tumtum insistente insuflando a vocação coletiva, restam os sombreiros coloridos com marcas de cerveja a demarcar domínios comerciais em toda a imensa faixa de areia. Talvez seja esta a única cidade litorânea no mundo tropical onde não vivem cativos de olhar e ouvir e sentir direto na carne, todos os dias, como um regalo cotidiano, os presentes do mar.
Ainda assim, há recompensas e encantos. Regalos da memória, lembranças de mil novecentos e oitenta e tantos, quando meu pai protestava alvoradas antes do primeiro galo e quatro meninos de cara inchada (eu, mais três irmãs) pulavam da cama feito sonâmbulos, doidos pelo mergulho no horizonte aberto à vista. Na Atalaia de então, o contentamento era tamanho, a ponto de o mar se derramar em carícias sobre o asfalto. Nunca mais fomos tão íntimos da imensidão, assim.
Nada me dizem as explicações sobre o divórcio, desde quando uma cidade começou a se afastar do mar. Sei apenas da falta que a maresia faz ao espírito da aldeia. Sei somente da violência apaixonada na rebentação de nossas praias. Tenho certeza de que é urgente reatar um convívio mais próximo, duas crianças de mãos dadas, entre os nossos e o mar.