Jorge Amado: Literatura de lamber os beiços(Arquivo)
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Verão nas páginas
Publicado em 20 de março de 2025
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
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Os leitores fiquem sabendo: Se as previsões foram confirmadas e o verão obedecer ao calendário, despedindo-se das praias até o fim da semana, em favor de um tal outono, haverá chumbo em cada palavra desta página. Impossível realizar convites e promover os encontros da boa convivência sob um céu pintado de cinza. Sem tempo bom, viramos todos russos de espírito.
Como todo sergipano legítimo, eu reclamo do calor todos os dias. Está escrito nos mapas; ensinaram-nos, nas aulas de geografia: Bonito mesmo é sentir frio. Mal nos damos conta do preço cobrado pela elegância coberta de panos pesados, vestida dos pés à cabeça. Intuitivamente, imitamos os portugueses das caravelas, ainda estranhamos o índio.
Em cidade litorânea como Aracaju, onde o sol se derrama em luz escandalosa, somente a cor, a vibração, o movimento mais aberto e o barulho afirmam o povo.
A nossa única esperança de felicidade verdadeira está no céu azul. Na praia, quase sem roupa, o sergipano se reconcilia com a verdade nativa. Ninguém bebe água de coco fazendo pose de intelectual; ninguém afeta a preocupação de noites perdidas com o futuro da democracia com uma raquete de frescobol às mãos. Na praia, mesmo o vendedor ambulante, o dia inteiro pra cima e pra baixo, sem refresco, sob o sol escaldante, acredita na chance remota de ser feliz.
Eu já enchi a boca de consoantes para pronunciar o nome de autores estrangeiros, os mais introspectivos e sisudos, paridos no frio. A juventude é insegura, tem horror aos espelhos. Hoje, quase careca, um bruto de pai e mãe, amante ideal do Carnaval, leio Jorge Amado e me farto, lambendo os beiços. Basta fazer bom tempo.