Vereador, a sua verdade não é universal!
Publicado em 24 de abril de 2018
Por Jornal Do Dia
*Jossimário Mick
O vereador, psicólogo e professor Dionísio Neto da cidade de Estância, Segipe, insiste em afirmar a existência dessa tal "ideologia" de gênero, do mesmo modo que reafirma ser a discussão de gênero imoral. Ele vai além, cobra dados científicos que confirmem a existência de comprovação da diversidade sexual em nossa sociedade, numa nota intitulada "Estratégia dos defensores da ideologia de gênero: conquistar as escolas e a mídia".
A nota do vereador Dioníso tem endereço certo: o PSOL, SINTESE e a OAB que, segundo ele, são "defensores dos direitos humanos". Ele se esquece, contudo, que também é humano e que são direitos inerentes a todos os indivíduos, independentemente de raça, cor, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião, opinião política, origem social, condição de nascimento, riqueza ou qualquer outra situação.
Dionísio é filiado ao partido REDE cujo nome foi assim registrado porque iria ser uma rede que dialoga com os diferentes setores da sociedade. Sim, o REDE, aquele partido que apoiou com unhas e dentes o presidenciável Aécio Neves do PSDB, hoje acusado de estar envolvido num lamaçal de corrupção.
Na teoria o partido do vereador defende como princípios de seu programa, cláusulas inalteráveis, como defesa da dignidade, das minorias, da transparência, eficiência, da coisa pública e do bem comum; consultas permanentes às bases do partido no formato de plebiscitos; conselho político aberto à sociedade, não necessariamente composto por filiado. Disso, percebemos que teoria e prática não se convergem no REDE, ao menos na atuação parlamentar do vereador que não seguiu os princípios teóricos partidário e repudia setores importantes de nossa sociedade como SINTESE e OAB. Também é preciso dizer que a Câmara de Vereadores foi unânime na aprovação do Projeto de Lei contando, inclusive, com o voto de um vereador do PT.
É preciso saber se o vereador habita mesmo o planeta Terra, se nasceu no século XX e acompanhou as transformações de nossa sociedade até aqui, o século XXI, ou se tudo isso não passa de uma brincadeira de mau gosto.
Primeiro que cobrar dados científicos para comprovar uma pluralidade que existe diante dos nossos olhos e que dispensa qualquer método experimental, é no mínimo contraditório, uma vez que para a constatação da diversidade em nossa sociedade nos basta o conhecimento empírico. Segundo que sustentar sua argumentação fundamentada numa suposta fala do Papa, tão admirado por suas ideias de liberdade e respeito ao próximo, é ferir o princípio de a laicidade de nossa Constituição.
O fato do Brasil ser laico, não quer dizer que não possamos proferir uma crença; podemos sim. Mas essa crença é algo pessoal e não deve ser levado para a Câmara de Vereadores ou qualquer outra casa legislativa. "Deixe em casa sua religião e venha legislar a favor da sociedade!".
O vereador não deve entender que sua experiência de vida seja universal e que se as outras pessoas não são do mesmo jeito que ele, elas estão agindo de modo contrário à natureza delas. É cômico o parlamentar propor lei que proíbe alguma coisa sobre algo que não existe.
"Essa tal de "ideologia", senhor vereador, é um termo criado à luz da ignorância frente à negação da existência das diferenças. Ou o senhor nega a existência da homossexualidade entre jornalistas, pastores, padres, policiais, políticos (incluindo aí vereadores), atletas, artistas, professores ou em qualquer outra categoria?".
As crianças são distintas entre si e isso ninguém pode negar. É preciso criar um espaço em que professores saibam aceitar essas crianças e que as incentivem a aceitar umas às outras do jeito como elas são e isso se chama respeito e fraternidade. Não se incentiva a sexualidade de ninguém, mesmo que nós quiséssemos. Ninguém no mundo aprende como ser gay ou como ser hétero. Isso é pertinente à natureza individual de cada um.
Não há imoralidade alguma ensinar o respeito ao "diferente". Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e pessoas intersexuais existem sim! É preciso que a escola instrua os jovens para o respeito à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero, porque tentar invisibilizar uma questão que é realidade em nossa sociedade fundamentada num falso moralismo ou proselitismos religiosos é violar os princípios da dignidade da pessoa humana.
O seu perfil "cristão-conservador" da "moral" até que não nos causa espanto. O que nos assusta é o fato de um cidadão eleito para legislar a favor do povo e para todos, numa democracia representativa, ser psicólogo e subliminarmente negar a existência da diversidade através de um Projeto de Lei. A dúvida que paira é se ele como psicólogo já utilizou algum método, como proposto por seus pares conservadores, para a "cura gay". *Jossimário Mick é professor, agente federal e pré-candidato a senador pelo PSOL de Sergipe