Corte no salário mínimo pode ampliar desigualdade, alerta estudo da USP
Publicado em 26 de novembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
O Brasil, país ainda marcado por profundas desigualdades sociais, enfrenta um debate crucial sobre sua política econômica. No centro da discussão está o pacote de ajuste do governo Lula, pressionado pelo mercado financeiro para cortar benefícios sociais e restringir o ganho real do salário mínimo, adequando a valorização do piso nacional às regras do novo arcabouço fiscal. Entretanto, um estudo do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades) da USP aponta que a medida pode intensificar a desigualdade e agravar a pobreza.
Publicado na Folha de S. Paulo, o levantamento simula um cenário em que o crescimento do salário mínimo seria regido pelas normas do arcabouço fiscal, que limitam o aumento das despesas públicas entre 0,6% e 2,5% ao ano. A proposta inclui desvincular seu reajuste de aposentadorias e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). De acordo com o Made, a medida penalizaria principalmente os mais pobres, além de comprometer a arrecadação e gerar impactos recessivos.
O estudo indica que, caso a restrição do ganho real estivesse vigente desde 2000, a desigualdade teria aumentado significativamente. No caso das aposentadorias e pensões, poderia ter subido entre 3,2% e 3,8%, enquanto os gastos públicos seriam reduzidos de 15,9% a 19,9%. O índice Gini, que mede a concentração de renda, teria avançado de 0,529 para valores entre 0,546 e 0,549.
O impacto sobre o BPC, que garante um salário mínimo a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, seria igualmente grave. Os gastos com o programa seriam reduzidos em até 45,5%, gerando uma economia de R$ 50 bilhões, mas a desigualdade subiria 0,75%, promovendo um corte severo no poder de compra das camadas mais vulneráveis, com efeitos diretos na atividade econômica.
A partir de 2001, especialmente nos governos Lula e Dilma, o Brasil experimentou uma redução histórica da desigualdade, possível, em grande parte, pela valorização do salário mínimo e pela expansão de benefícios sociais. Essa tendência, no entanto, pode ser revertida com a implementação das novas regras, como aponta Guilherme Klein Martins, professor na Universidade de Leeds, na Inglaterra, e um dos autores do estudo.
Segundo Klein, caso a aposentadoria e o BPC fossem reajustados pela inflação, em vez de seguir a correção do salário mínimo, cerca de 40% dessa redução na desigualdade poderia não ter ocorrido. “A prioridade deveria ser começar revendo despesas, inclusive tributárias, que afetam os mais ricos”, aponta.