A solidão de René Robert
Publicado em 01 de fevereiro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Um fotógrafo suíço morreu de frio nas ruas de Paris. René Robert tinha 84 anos e algum prestígio, em função do trabalho realizado com profissionais do flamenco. As circunstâncias da fatalidade não são conhecidas, mas é certo que ele agonizou durante nove horas, até sofrer hipotermia. Desconfia-se de alguma tontura, um tropeço, talvez. Ninguém lhe estendeu a mão.
Eu vejo René todos os dias, em todas as esquinas de Aracaju. Em um cruzamento, ele ainda é um menino. No outro, amamenta uma criança de poucos meses. Mais adiante, limpa para-brisas, com sorriso no rosto, faz algazarra, brinca com os motoristas menos sisudos. Sempre magro. Sempre negro. Sozinho no mundo. Personagem marginal de literatura chinfrim.
René não vai à escola. Ou trabalha, ou morre de fome. René não se concentra no quadro negro, a barriga ronca com o alvoroço dos galos de briga nos terreiros da periferia. René não sabe ler, nem escrever. A professora tenta ajudar, mas a merenda pouca não chegou, outra vez.
René queria ser um gato de rua. Muita gente se comove com os animais largados nos terrenos baldios. As pessoas levam filhotes abandonados ao médico, providenciam remédios, um lar temporário, ração. Feio, perigoso, René sente dor, como todo bicho ferido. Mas não inspira compaixão.
Para o leitor, René é só um gringo velho que perdeu o equilíbrio e virou notícia de jornal. René existe, no entanto. Fala um português subnutrido, corre da polícia, pula a catraca do ônibus, cheira cola para enganar a fome. E acha até bonito, isso de morrer no frio.