As saias curtas da fantasia
Publicado em 22 de fevereiro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
O folião caga regra foi o grande destaque dos últimos carnavais, antes de a folia virar risco de vida. Índios de apartamento, mulheres de barba na cara, os nativos da fuzarca eram tomados para Cristo, apanhavam feito um boneco de Judas sob a chuva dos confetes biodegradáveis. Os fiscais da apropriação cultural não poupavam nem mesmo a beleza inegável das tribos surpreendidas em pleno asfalto. Alessandra Negrini que o diga.
A mim, pouco me importa se o Zezé da marchinha é ou não é. Segredos de alcova só interessam a pessoas tristes, sem pecados e arrependimentos para dizerem seus. As perucas coloridas, as fantasias improvisadas pelos anônimos decididos a colocar o bloco na rua, ao contrário, afirmavam em alto e bom som, para quem quisesse ouvir, que a alegria podia sim ser a única norma. E azar de quem não tivesse o coração forte para bater no ritmo da brincadeira.
Pobre de quem é capaz de se levar a sério em pleno Carnaval. Os ruins da cabeça, contudo, apontam o dedo duro, advogam sobre o que pode e o que não pode, adivinham pulsões enrustidas nas saias curtas das fantasias. Depõem, inadvertidos, sobre si mesmos, os coitados, vigilantes do certo e do errado, voluntários do lado certo da história, um duplo bizarro dos homens de bem.
O Carnaval há de voltar a ser, um dia, o território do indomável, apoteose de uma sensibilidade essencialmente alheia às pautas do dia. Nas palavras do colega Milton Ribeiro, um suspiro de lucidez que chega lá do sul: “As campanhas contra as fantasias no carnaval são campanhas contra o carnaval. O carnaval pressupõe, historicamente, a troca de papéis sociais. Suspender isso é voltar à rotina”.
Ou, trocando em miúdos: Se não transborda, extrapola e perde a linha, pode até ser desfile/protesto de escola de samba, espetáculo, mas não faz jus ao nome de folia. Nem aqui, nem na China.