BACHARÉIS EM DIREITO DE SERGIPE
Publicado em 31 de agosto de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Afonso Nascimento
Todas as sociedades necessitam de algum sistema jurídico para o seu funcionamento. Ou mais de um sistema ao mesmo tempo, em caso de pluralismo jurídico. Isso se deve ao fato de todas elas terem que enfrentar o problema: como resolver ou pacificar os conflitos individuais ou coletivos nelas existentes? O sistema jurídico pode ser formal ou informal, simples ou complexo, escrito ou oral.
O Brasil se inscreve entre aquelas sociedades cujo sistema jurídico é caracterizado pela presença de membros treinados especialmente para o exercício de profissões jurídicas. Segue, assim, uma tradição importada da Europa. Aqui, toda pessoa que deseje participar do sistema jurídico precisa de um diploma de graduação em Direito, precisa ser um bacharel em Direito. É verdade que, no longo período de sua formação, na ausência desses profissionais diplomados, foram aceitos indivíduos sem esse treinamento escolar formal como era o caso dos advogados provisionados ou rábulas. Depois, aos poucos, a exigência do diploma de bacharel em Direito para exercer profissões jurídicas passou a ser a regra até hoje.
O leitor encontrará na nova obra “Bacharéis em Ciências Jurídicas e Sociais” do professor e pesquisador Gilfrancisco quarenta perfis biográficos (1) compostos na maioria por homens, brancos, nenhuma mulher, poucos afrodescendentes – sendo alguns desses bacharéis conhecidos e, outros nem tanto. Depois da leitura que fiz deles, procurei classificá-los por alguns traços comuns entre eles e é assim que os apresento abaixo. Para mim, bacharéis em direito são prestadores de serviços legais a seus compradores ou consumidores. Avanço.
Antes de 1950, não existiam faculdades de Direito em Sergipe. Então, todos os bacharéis sergipanos até 1955 (ano de formatura da primeira turma de bacharéis sergipanos), fizeram estudos fora de Sergipe. Precisamente falando, em Recife, em Salvador, Rio de Janeiro, etc. Cito alguns nomes: Tobias Barreto, Sílvio Romero, Armindo Guaraná, Armindo Pereira, Bernardino Araújo, etc. Estudar fora de Sergipe significava mais do que uma escolha. Queria dizer que essas pessoas tinham origem social alta, exceções à parte como, por exemplo, Tobias Barreto, Álvaro Fontes da Silva, Enoch Santiago e Adolfo Ávila Lima.
Da lista de bacharéis de Gilfrancisco, muitos exerceram o magistério secundarista e universitário, em Sergipe e em outros estados. José Amado Nascimento começou a sua carreira docente em escola secundária. Foram professores de Direito Tobias Barreto, Sílvio Romero, Wagner da Silva Ribeiro, Artur Oscar de Oliveira Déda, só para mencionar alguns nomes. Outros bacharéis sergipanos trabalharam como docentes em cursos superiores de Economia (Alberto Carvalho), Manuel Cabral Machado Sociologia (Manuel Cabral Machado), História (Jose Calazans Brandão da Silva), etc. No caso de José Bonifácio Fortes Neto, ele é considerado pelo historiador Ibarê Dantas como pioneiro da Ciência Política em Sergipe.
Entre esses quarenta bacharéis, marcaram presença aqueles que se dedicaram à literatura (romances, poesia e contos). Aqui também a lista é extensa e é a ela que Gilfrancisco dá mais destaque em cada biografia. Posso citar nomes como Armindo Pereira, Wagner da Silva Ribeiro, Tobias Barreto, Mário Cabral, Antônio Manuel de Carvalho Neto, entre outros mais. Fora dessa lista de Gilfrancisco, muitos podem ser encontrados no livro de José Anderson Nascimento (“Perfis Acadêmicos”) sobre patronos e integrantes da Academia Sergipana de Letras.
Os bacharéis em Direito da lista deste investigador baiano têm destaque entre os quadros da direita católica e dos fascistas ou dos integralistas sergipanos. O mais importante bacharel da direita católica é Jackson de Figueiredo, residente no Rio de Janeiro e morto muito jovem. Não devem ser esquecidos José Amado Nascimento e Manuel Cabral Machado. Entre os integralistas, os dois últimos citados devem ser incluídos em lista apropriada, além de José Calazans Brandão da Silva, além de outros com passagem na Faculdade de Direito da UFS.
Existem comunistas, em número menor, nos quarenta bacharéis do livro de Gilfrancisco. Eu anotei os seguintes nomes: Carlos Garcia (irmão do ex-governador Luiz Garcia), Sinval Palmeira (militante e advogado de presos políticos), Osório de Araújo Ramos (preso como comunista em 1952, enquanto estudante de Direito), Márcio Rollemberg Leite (irmão do ex-governador José Rollemberg Leite) e os dois irmãos Sampaio (Walter e Aloísio).
É muito grande a quantidade de jornalistas entre os bacharéis biografados. Jornalistas no sentido lato do termo, porque ninguém frequentou escola de jornalismo. Eram pessoas que sabiam escrever e que geralmente pertenciam a um grupo social e politicamente relevante. Mas nem sempre. Posso dar alguns de bacharéis que se envolveram no jornalismo como Paulo Costa, Tobias Barreto, José Amado Nascimento, João Oliva, Sílvio Romero, Mário de Araújo Cabral, etc.
Encontrei na lista de Gilfrancisco bacharéis que apoiaram o regime militar em Sergipe. Luiz Carlos Fontes de Alencar, Carlos Pinna de Assis Jr. e Artur de Oliveira Déda fizeram o curso da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro. Presentes no livro do pesquisador baiano ainda estão José Amado Nascimento, João de Araújo Monteiro e Manuel Cabral Machado. Entre aqueles que tomaram partido na oposição à ditadura militar estão José Bonifácio Fortes Neto e Tertuliano Azevedo.
Da leitura dos perfis dos bacharéis formados em Sergipe e fora daqui, não tem sido poucos os agentes jurídicos que enveredaram, direta ou indiretamente, pela política partidária. Isso não acontece somente em terras sergipanas, mas também no Brasil e na maior parte do mundo ocidental. Este não é o espaço para discutir essa relação. Deixo, porém, alguns elementos para a reflexão do leitor: geralmente, bacharéis são profissionais com o poder da palavra oral, possuem a habilidade de representar clientes, etc.
A política é a profissão mais buscada pelos bacharéis depois das carreiras jurídicas. Os bacharéis aqui elencados ocuparam mandatos e cargos políticos em Sergipe e em outros estados como Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia. Durante a Monarquia brasileira no século XIX, dois nomes podem ser mencionados: Tobias Barreto e Sílvio Romero. No período da República no século XX, eles são em grande número. Dou como exemplos os seguintes bacharéis: Fausto Cardoso, Gumercindo Bessa, Marcelo Déda, Antônio Manuel de Carvalho Neto, etc.
À guisa de fechamento desta apresentação, gostaria só de acrescentar que este livro Gilfrancisco é dirigido a todos os sergipanos que queiram conhecer um pouco de sua história através das obras desses bacharéis em Direito no Brasil. Ele é destinado especialmente a estudantes e professores de Direito, a membros das profissões jurídicas em geral. Também é uma fonte de pesquisa indispensável para historiadores, sociólogos e estudiosos do universo literário brasileiro construído por sergipanos. Espero que façam bom proveito desse trabalho.
(1) Adolfo Ávila Lima, Alberto Carvalho, Alceu Dantas Maciel, Aluysio Sampaio, Álvaro Fontes da Silva, Antônio Manoel de Carvalho Neto, Armindo de Castro Santos Pereira, Artur Oscar Déda, Bernardino José de Souza, Carlos Garcia, Clodomir de Sousa e Silva, Enoch Matusalém Santiago, Fausto Cardoso, Gervásio de Carvalho Prata, Gilberto de Lima Azevedo, Souza Ferreira Amado de Faria, Gumersindo Bessa, Jackson de Figueiredo, José Amado Nascimento, José Bonifácio Fortes Neto, José Calasans Brandão da Silva, José de Carvalho Déda, João de Araújo Monteiro, João Oliva Alves, Luiz Carlos Fontes de Alencar, Manoel Armindo Guaraná, Manoel Cabral Machado, Marcelo Déda Chagas, Márcio Rollemberg Leite, Mário de Araújo Cabral, Osman Hora Fontes, Osório de Araújo Ramos, Paulo Costa, Pedro Barreto de Andrade, Silvio Romero, Sinval Palmeira, Tertuliano Azevedo, Tobias Barreto de Menezes, Wagner da Silva Ribeiro e Walter Sampaio.
* Afonso Nascimento, Professor Aposentado da UFS