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COM QUANTOS ADJETIVOS CHAMAR A DITADURA MILITAR?


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Publicado em 04 de abril de 2023
Por Jornal Do Dia Se


Afonso Nascimento

Tomando a democracia como oposta ao autoritarismo, pode-se afirmar que vários tipos de regimes autoritários têm sido conhecidos no mundo moderno. De um lado, o totalitarismo que é um tipo de regime autoritário que tem sido implantado em países que optaram têm a via da suposta “ditadura do proletariado” ou o caminho do comunismo. De outro, estão regimes autoritários chamados de ditaduras que incluem um número maior de experiências que podem ser classificadas de diversos modo, por exemplo, a ditadura de Stroessner no Paraguai, as ditaduras fascistas de Hitler e Mussolini, as ditaduras de países muçulmanos, etc.
Dito isto, preciso dizer que este artigo pretende fazer, de forma exploratória, uma rápida discussão sobre como é mais apropriado chamar a ditadura que existiu no Brasil de 1964 a 1985. Como assim? Explico. Quando os militares golpistas se estabeleceram no poder, eles editaram o Ato Institucional, no. 1, de 9 de abril de 1964, e denominaram o seu golpe de “movimento civil-militar”. E, sem rodeios, afirmaram que todo o poder emanava do golpe, ou seja, da força armada. Falaram que fizeram uma “revolução”, coisa que é melhor do que falar em golpe de Estado, claro. Concorda?
Os opositores ao regime militar dos generais brasileiros o chamaram de várias formas (fascista, etc.), mas o conceito que “pegou” de verdade foi aquele de “ditadura militar”, consagrado em livros escritos por acadêmicos e por ex-militantes de oposição. Somente no começo do século XXI, surgiu uma corrente nos meios universitários que passou a chamá-lo de ditadura civil-militar. Em outras palavras, se antes era uma ditadura com um só adjetivo (“militar”), desde então passou a ser uma ditadura com dois adjetivos (“civil e militar”).
A literatura que sustenta essa abordagem pode ser encontrada nos seguintes livros e artigos: DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe.3* edição. Petrópolis: Vozes, 198l; ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Bauru – SP: EDUSC, 2005; FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 47, p.29-60 – 2004; REIS FILHO, Daniel A. A ditadura civil-militar. O Globo, Rio de Janeiro, p. 2-2, 31 mar. 2012.
No caso de DREIFUSS, na sua ditadura de dois adjetivos, ele a denominou de “ditadura empresarial-militar”. Quanto a ALVES, ela falar em golpe e movimento civil-militar. Já REIS FILHO, prefere mesmo falar em “ditadura civil-militar”. De acordo com esses autores, trocar o conceito de “ditadura militar” por “ditadura civil-militar” traz ganhos para os pesquisadores da temática ao destacar o papel de protagonista, e não de coadjuvante, que tiveram os “civis” tanto no golpe como no funcionamento do regime político autoritário.
Com essa mudança conceitual, novos atores entrariam em cena e com isso ampliaram novos aspectos desse regime que, de outro modo, ficariam de fora. Embora eu não tenha certeza disso, só para argumentar, admito que sim. É verdade que existiu para o golpe e para o regime uma importante mobilização e ação políticas por parte de elites civis (religiosas, empresariais, grupos de interesse e de pressão, etc.) no país inteiro contra o governo reformista do presidente João Goulart. Através dessa abordagem, os civis dividiriam as responsabilidades políticas dos erros e acertos com os militares. O Clube Militar deve adorar essa tese!
No estágio atual de minha reflexão sobre a polêmica, contrário à primeira tese, só encontrei o artigo de POMAR, Pedro E. da R. Um modismo equivocado. Página 13, São Paulo, p. 10 – 10, 01 ago. 2012. Estou a favor da manutenção da nomenclatura de “ditadura militar” e faço isso sem prejuízo de incluir a problemática sobre o assunto proposta pelos adeptos da caracterização da ditadura como civil e militar. Agora exponho as razões para a minha escolha. Nunca existiu antes na história política brasileira um regime que colocou as forças armadas no topo dos aparelhos de Estado e de toda a sociedade civil.
Sigo nesse ponto as reflexões de Guillermo O´Donnell nos seus trabalhos sobre o Estado Burocrático-Autoritário. Sim, as forças armadas se puseram acima de todas instituições políticas e civis – adquirindo uma autonomia nunca vista sobre os demais grupos e classes. Nenhuma escapou. Os civis de todos os tipos eram cúmplices, aliados, etc. E não foi tutela de militar sobre civil.
A ditadura militar se encaixa perfeitamente naquilo que a literatura marxista chama de “bonapartismo” ou “cesarismo”, uma situação em que o bloco do poder se coloca acima das classes, falando em nome de todos os grupos. É correto dizer que o regime militar foi uma ditadura bonapartista, portanto, pois ela era porta-voz dos empresários nacionais e estrangeiros, e, quanto aos interesses da classe trabalhadora, se apresentava como uma ditadura antipopular. Era uma ditadura abertamente classista. Nessa condição, os militares abriram um novo ciclo de acumulação de capital no Brasil, tornando-se uma espécie de “capitalista coletivo”.
Os militares eram agentes armados (“classes armadas”, na linguagem usada no AI- no.1 já mencionado) a serviço dos empresários nacionais e estrangeiros. A eles interessava criar as condições de infraestrutura econômica para a expansão do capitalismo no Brasil. Foi com isso que conseguiram fazer o que foi chamado de “modernização conservadora” pelo historiador norte-americano Barrington Moore Jr, analisando países europeus em outro contexto. A que custo fizeram essa modernização? O preço foi muito alto em termos políticos e sociais e implicou atraso na busca de avanços sociais que os setores progressistas demandavam.
Destruíram a democracia, rasgaram a constituição e editaram outros documentos constitucionais, empobreceram ainda mais as classes populares, proibiram as greves, inibiram a criação cultural, fecharam várias vezes o Congresso Nacional, perseguiram, prenderam e mataram opositores armados ou não, centralizaram o poder político como nunca antes e só se retiraram por causa de nova crise econômica depois do “milagre brasileiro” e pela perda crescente de legitimidade, enfim, foi um fator de grande atraso para os brasileiros em todas as áreas.
A despeito da obra seminal de Ibarê Dantas (“Tutela militar em Sergipe”) ser uma fonte incontornável para muitas pesquisas, é verdade que existem muitos temas da ditadura militar em Sergipe que esperam trabalhos especializados. Por exemplo, até onde vai meu conhecimento, desconheço livros e artigos sobre a atuação do IPES e do IBAD em Sergipe. Sobre a ESG e a ADESG, são conhecidos vários trabalhos. Em relação às atividades das associações dos empresários, será preciso pesquisar os livros de atas de suas instituições patronais que nunca esconderam seu apoio aos militares para o golpe e o regime dos militares. Sobre a tecnocracia no governo estadual, existe algo sobre o CONDESE, bem como sobre o financiamento empresarial do MDB, o partido político de oposição consentida. Também em Sergipe, elites católicas regressistas deram o suporte de que os milicos necessitavam. Em documentos do SNI disponíveis no Arquivo Nacional, empresários não gostariam de ler o que os agentes de segurança e informação escreveram sobre eles. Apesar disso, os militares toparam fazer alianças com eles, mostrando o caráter pragmático da ditadura militar. Acho que o livro de DREIFUSS oferece um bom roteiro da ditadura só com um adjetivo (militar) a ser aplicado a Sergipe em novas pesquisas.

Afonso Nascimento, professor aposentado da UFS

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