Trabalho coletivo
Crônicas Musicais: Que banda é essa?*
Publicado em 04 de março de 2020
Por Jornal Do Dia
O Jornal do Dia pu blica, sempre às quartas, uma série de artigos assinados pelo jornalista Antonio Passos. São textos ambientados nos anos de formação de uma empolgante cena musical sergipana, nos quais Passos relata o que viu e viveu de perto, in loco, no calor do momento.
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Vinte e um de maio, aproximadamente 21 horas. Várias pessoas caminhavam na direção centro-sul pelas ruas já adormecidas daquele lado da cidade. Os bermudões coloridos de alguns indicavam que eles estavam indo debochar no Constâncio Vieira.
À margem desse curso um pequeno aglomerado de ovelhas desgarradas ia formando-se na entrada do Atheneu. Talvez como estratégia, a porta do teatro permanecia fechada. Entre parentes, amigos e curiosos, o aglomerado aumentava.
A porta dos fundos estava aberta e pareceu mais convidativa que a entrada principal, que necessariamente seria precedida por uma passagem pela bilheteria. Além do mais, a entrada dos fundos levaria diretamente ao palco.
As cortinas ainda estavam fechadas. Muitas pessoas saíam e entravam nos camarins. Uns retocavam a maquilagem enquanto outros libertavam o espírito.
Quatro músicos já ocupavam suas posições definitivas e davam um retoque final na afinação. Coincidentemente, me esclareceu Emerson, os quatro fazem parte da Banda’Auê: Gilberto (violão), Joao Sena (guitarra), Emerson (contra-baixo) e Marcos (bateria). Quando a cortina foi aberta havia mais um músico: Marcelo Farjalla (percussão). O quinteto abriu o show com uma composição instrumental de autoria própria.
Interligados por um casal de apresentadores – ela, Fernanda Reis, que se conteve em apresentar; ele, Maurício, que quase conseguiu se tornar a atração principal da noite – os participantes do "10 Colagem" foram se sucedendo.
Depois do instrumental, entrou Dirceu interpretando, além de músicas inéditas de sua autoria e de outros, "Muito" e "Gema" de Caetano Veloso, "Meu Bem-Querer" de Djavan e "Para Lennon e McCartney" de Lô e Márcio Borges e Fernando Brant. Dirceu arrastou Beto para o palco e os dois cantaram juntos "A Cigarra" de Milton Nascimento e Fernando Brant, depois se despediu do público.
Beto cantou "Vivendo sem Medo" de sua autoria, depois "O Vampiro" de Jorge Mautner e dividiu a interpretação de "Cuitelinho" (folclore recolhido por Paulo Vanzonni) com Zelda (voz) e Joaby (violão), sendo este um dos momentos mais aplaudidos.
Apresentaram-se em seguida na seguinte ordem: Rubens Lisboa, Glêayse Santana, Oscar Vasconcelos (flauta), Maria Quaranta, Marcos – cantando três músicas de Gilberto Nunes e reanimando o ambiente após alguns momentos de exagerado intimismo – e o CroveHorrorshow, que, infelizmente, só tocou quatro músicas: "Tudo", "Nada", "Na Sala Fechada" e "Eu Te Amava".
O público que compareceu em boa quantidade impiedosamente não vibrou. Tudo que se escutou além das músicas foram educados aplausos e alguns gritos, na tentativa de escutar o Crove mais um pouco, que muitos fizeram questão de não perceber. No final, todos cantaram juntos uma canção.
A emoção regeu a noite. A técnica ficou em segundo plano e, por vezes, as vozes e os instrumentos desafinaram. E daí? Tem sido essa a história de tantos inícios: o espírito bem à frente dos dedos e das cordas vocais.
A proposta não é pioneira. Outras, com semelhantes pretensões, já foram antes e serão futuramente realizadas. Parece ser uma imposição das novas gerações e os componentes do projeto "Que banda é essa?" escolheram a sua vez. Apostaram no trabalho coletivo marcado pela individualidade de cada um.
*Publicação original emPipiri – O Jornal da Cultura, Aracaju, junho de 1987.