Garrafas pet não evaporam.
Fake plastictrees
Publicado em 15 de agosto de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Ontem, atirei dez centavos a um mendigo estirado numa esquina do Centro. Ele tinha as mãos descobertas de pedinte profissional. Eu carregava uma moeda pequena, sem valor, nem propósito, no fundo do bolso. Na brevidade de gestos tão pequenos, encontramo-nos, os dois, fadados ao mesmo destino de plástico, sem saber nada um do outro.
Um estudo publicado pela revista Nature Geoscience estima que os oceanos recebem 500 mil toneladas de plástico todos os anos, plástico em grande parte proveniente da indústria pesqueira. Dos rios, deriva lixeira ainda maior: seriam oito milhões de toneladas anuais. Os pesquisadores lembram que a matéria das garrafas pet não evapora, não se decompõe. E, assim, tende a envenenar toda a gente.
Hoje, há plástico na nossa corrente sanguínea, nos nossos pulmões, nos corações aflitos dos amantes desesperados, uma involução que não tem nada de natural. Primeiro, o artesanato foi vencido pela produção em série, depois superada pela automação. Agora, mesmo os profissionais criativos, nós que sonhamos para ganhar o pão de cada dia, estamos em vias de ser mandados para o olho da rua, substituído por uma suposta inteligência artificial, pelos algoritmos.
Só eu poso chorar quando estou triste, protestou Gilberto Gil, muito antes de o cérebro eletrônico ameaçar o meio de vida dos poetas, com a lógica fria que as bonecas infláveis jamais ousaram impor à vida difícil das mulheres de vida fácil. Cantou para as paredes, pouco importa se alegre ou feliz.
Aparentemente, todas as fórmulas empregadas num verso, na caligrafia do pintor, nas pausas, inflexões e alturas apontadas numa pauta musical, atendem a uma razão matemática. Por isso, aproxima-se o dia quando jornalistas, putas e mendigos disputarão o mesmo ponto, a mesma calçada, a mesma esquina. Itabira será, então, só um retrato na parede. Mas como dói!