Missão cumprida
Publicado em 30 de abril de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Há uma década, quando o Grupo Brasileiríssimo surgiu no cenário musical da aldeia, o sete cordas Ricardo Vieira declarou a intenção de atualizar a linguagem da música urbana brasileira e reverenciar os grandes do Choro sem, contudo, podar o impulso mágico da criação.
Hoje, uma semana após o lançamento do primeiro álbum do conjunto, é possível constatar a coerência do músico. Embora já não seja membro do Grupo Brasileiríssimos, ele colocou a inteligência e o violão a serviço do projeto, como produtor e amigo. Em cada uma das doze faixas, a excelência dos músicos sobressai, sem dever nada à imaginação.
O primeiro disco do Grupo Brasileiríssimo já está disponível em todas as plataformas digitais, com produção de Ricardo Vieira, masterização de André Franzon e arte de Gabi Etinger. Há planos para o lançamento em formato físico. O álbum é distribuído pela Kuarup.
JD – O surgimento de alguns grupos de choro, a exemplo do Brasileiríssimo, com uma agenda relativamente movimentada, é suficiente para amparar a existência de um movimento de Choro local?
Ricardo Vieira – Atualmente, penso o status do cenário local do Choro em Sergipe como preocupante, porém com potencial emergente. O movimento que fortalecemos nos primeiros anos de nossa atividade, desidratou-se e se esvaiu com o tempo, sendo fatalmente afetado pela pandemia da SARS-COVID-19 nos último dois anos.
É nesse sentido que o lançamento do primeiro álbum do Grupo Brasileiríssimo, homônimo e autoral, tem o potencial de acender centelha no circuito local, no sentido de reanimá-lo, transformá-lo, reavivá-lo. Há 10 anos, quando o GB foi criado, a realidade era um tanto mais otimista. Havia uma espécie de contexto que prenunciava o estabelecimento de um Movimento do Choro com o sotaque local. Sim, tanto havia mais grupos ativos, bem como mais estabelecimentos que mantinham a alegre rotina das rodas de Choro e Seresta, tal como o Chorinho Parque da Cidade, Rua Bahia e o Choro do Inácio.
Fomos muito felizes em realizar, nos primeiros cinco anos do grupo, uma série de façanhas musicais banhadas a muita estratégia e suor: várias temporadas no antigo Café do Museu da Gente Sergipana, quando estava sob a condução da querida Adriana Hagenbeck; realizamos concertos com a Orquestra Sinfônica de Sergipe, com arranjos autorais de Ricardo Vieira, participamos de feiras, festivais, mostras e eventos particulares. Além disso, por mais de um ano, levamos as histórias do Choro e seus principais compositores para o programa Choros e Canções, da Rádio Aperipê, sob a batuta do querido Ricardo Gama. Por um período, vislumbramos um vivíssimo movimento do Choro em Sergipe. Infelizmente, tamanha energia não fora suficiente para vencer a mediocridade enraizada na estirpe de alguns agentes despreparados, e, rapidamente, o movimento perdeu força. Assunto para outra oportunidade.
Acredito que o álbum Brasileiríssimo pode vir a ser, a médio prazo, marco do resgate de um movimento local. Acredito que seja o alvo principal do grupo, atualmente formado por Fernando Freitas (Bandolim), Felipe Freitas (Clarinete). Helder Batata (Pandeiro), Manoel Neto (Violão de Sete Cordas) e Calos Luciani (Barata do Cavaquinho).
JD – O choro é uma variação muito sofisticada dentro do segmento da música popular. Isso dificulta o relacionamento com o público, de alguma maneira? Choro é música para aficionados? Aliás, falando em público, eu percebi um público bem diverso, nas oportunidades em que conferi uma apresentação do Brasileiríssimo.
Ricardo Vieira – A linguagem do Choro sempre se aproximou do público (popular). Em sua origem, as camadas sociais que não tinham acesso aos salões europeus no final do século XVIII se animavam com os grupos formados nas esquinas, praças e botequins de uma forma muito peculiar: As polcas, valsas e maxixes, aglutinando os elementos da música européia (melodia, harmonia e forma) à rítmica de matrizes africanas, sobretudo com o elemento sincopado que nos acompanha na grande maioria dos ritmos (hoje) brasileiros. O Choro é o primeiro gênero urbano brasileiro, reforço: urbano. Nasceu n(d)as ruas.
A mistura é o termo que une as aldeias desse país. Há público para todos os gêneros e não é diferente para o choro. Lembro-me que em uma das temporadas do Grupo Brasileiríssimo no Café da Gente, compunham o público crianças, jovens, adultos e idosos. Aquilo gerava uma sensação de missão cumprida.
JD – Outro dado interessante, captado nas apresentações do grupo, é a pretensão autoral de alguns membros. Muita gente encara o choro como uma expressão musical estanque, parada no tempo. A existência do Brasileiríssimo, entretanto, contraria essa impressão.
Ricardo Vieira – Lembro-me que há alguns anos, respondendo a essa mesma provocação, eu respondi que o Brasileiríssimo foi criado para explorar e exportar a diversidade da música instrumental brasileira, tendo o Choro como base de criação ou referência. Hoje, não atuante no grupo, sinto uma alegria imensa em produzir e gravar o seu primeiro álbum e vislumbrar uma enorme diversidade de gêneros em seu repertório autoral e de compositores sergipanos. Há choros, maxixes, baião, samba, ijexá, côco e elementos da música contemporânea e do tango. Há compositores ilustres no repertório do álbum: O saudoso Ismar Barreto, Muskito, Gentil Leite e Everaldo Ribeiro.
JD – Como anda o relacionamento com os espaços? A reiterada reclamação por palco, uma constante na cena, ainda faz sentido, a essa altura do campeonato?
Ricardo Vieira – O GB sempre atuou de forma estratégica. Assim será agora com o álbum Brasileiríssimo nas plataformas digitais e embaixo do braço. Sempre adotamos a ideia ideia de reclamar menos e buscar mais. Fico feliz em saber que o GB mantém viva essa forma de trabalho. Buscar espaços, ou melhor, criar espaços (físicos e digitais) é o norte do GB. Sergipe ainda é provinciano no que se refere à produção musical digna de levar este nome, mas houve avanços nos últimos anos. Acredito que o Brasileiríssimo, junto com outros agentes e instrumentistas locais, têm potencial para conquistar espaço e divulgar o próprio trabalho. Todos precisamos disso.