Sexta, 17 De Janeiro De 2025
       
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O que mais importa


Publicado em 12 de abril de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Gil é Gil

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

Gilberto Gil estará sempre presente entre nós. Não se fala aqui dos cabelos brancos, nem do couro curtido ao longo dos tantos anos bem vividos pelo cantor e compositor baiano, uma legenda da Música Popular Brasileira. Tampouco se pretende dotar o fardão da Academia Brasileira de Letras de poderes sobrenaturais (ver nesta página), chamar os confrades da associação beletrista pelo título cafona de imortais. Trata-se, isso sim, de festejar o seu melhor momento como artista: cantor e compositor, músico, poeta.
Gil é Gil, um músico capaz de participar de uma ruidosa passeata contra a guitarra elétrica e emular riffs de inspiração roqueira, impunemente. Contradições à parte, nem toda a má vontade do mundo negaria a ele, entretanto, os feitos da própria discografia. Mesmo depois da Tropicália – um dos raros sopros de renovação arejando a história da MPB, desde sempre muito conservadora, no pior sentido da palavra -, o irmão preto de Caetano esteve sempre na linha de frente de uma batalha estética orientada para a ampliação do horizonte musical brasileiro.
A essa disposição para a novidade devemos todos a preciosidade batizada ‘Refavela’ (1978), já celebrado nesta página, por ocasião do aniversário de 40 anos. Ali está registrado o melhor de Gil. Hoje, o esforço de aproximação com as periferias globais talvez não impressione o ouvinte menos atento, alheio ao contexto de então. Lá atrás, antes de a fusão virar regra, no entanto, a pegada do terceiro mundo não havia ainda sido assimilada pela indústria fonográfica. Gil foi pioneiro, um desbravador.
Ao longo de tanto tempo em atividade, vez por outra, Gil também tropeça, demasiadamente humano. Em trabalho recente, por exemplo, ‘OK OK OK’ (2018), o Gil das passeatas dá as caras de novo, condescendente como ele só. Nem bem se afirma preocupado com as próprias dores nas costas e faz poesia de suas mesquinharias domésticas, nem bem mergulha nos ritmos emergindo aqui e ali, por obra e graça das tensões à flor da pele numa terra eternamente em transe. Neste particular, até o quadrado Chico Buarque, seu companheiro de geração, foi mais longe. Sobra em ‘Caravanas’, uma canção soberba, com toda a perspicácia de que o sambista é capaz, o que faz tanta falta no lamento exangue de Gil.
Naturalmente, a grande imprensa, apegada a sua vocação cartorial, cobriu o baiano de louvores à época do lançamento aqui esculhambado com afinco. Um chegou a escrever que, depois de sofrer o diabo, às voltas com enfermeiras, médicos e hospitais, o artista nos ofertou a sua melhor safra de canções neste século, resvalando em desonestidade intelectual. Seria mais bonito assumir a tietagem e afirmar com todas as letras: Gil é vivo, eis o que mais importa.

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