UM GRINGO BRASILEIRO UM BRASILEIRO GRINGO
Publicado em 09 de novembro de 2014
Por Jornal Do Dia
Mangabeira Unger é brazuca vivendo nos Estados Unidos, e professor da Universidade de Harvard. De tempos em tempos vem ao Brasil, e aqui suas análises sobre o país sempre causam sensação. E polemicas.
Intelectual respeitado por uns, detestado por outros, nos círculos mais à direita ou à esquerda, às vezes é visto como um personagem bizarro. Mangabeira tem sido um oráculo consultado por muitos políticos, principalmente aqueles, no governo. Brizola foi um deles quando assumiu o governo do Rio ainda na ditadura militar afrouxando as rédeas e até permitindo eleições. Habilidoso e com uma nova face conciliadora, Brizola aproximou-se de Figueiredo, tornou-se habitual conviva nos churrascos que o general presidente oferecia na Granja do Torto, onde morava próximo aos seus cavalos, cujo cheiro, dizia, era mais tolerável do que os odores do povo. Brizola levou Mangabeira a um dos churrascos tentando fazer Figueiredo escutá-lo, mas o cavalariano não simpatizou muito com aquele patrício que falava arrevesado, como se fosse um gringo.
Mangabeira e Darcy Ribeiro, outro dos conselheiros de Brizola, tinham uma mesma característica: eram exuberantemente entusiasmados com o povo brasileiro, e ansiosamente inconformados com a situação de um país que apenas tateava pelos caminhos que o levariam ao futuro, sem conseguir aproveitar as imensas energias de um povo tão excepcionalmente criativo.
Desde então, Mangabeira Unger tem sido um pensador energizado pelo sofisticado ambiente acadêmico de Harvard a teorizar sobre a realidade brasileira e apontando soluções para os nossos problemas. Ele faz isso através de um receituário onde estão presentes propostas surpreendentemente heterodoxas ao lado de outras, comportadamente adequadas ao figurino do neoliberalismo.
Mangabeira, que fala o português com alguma relutância, se distancia muito daqueles desprovidos do sotaque gringo, todavia apegados ao exclusivo modelo que os gringos nos indicam para ser seguido com a obediência mansa dos cachorrinhos amestrados.
Por outro lado, Mangabeira recusa-se a aceitar o figurino de uma esquerda que ainda não teve notícia da queda do Muro de Berlim, nesta semana completando 25 anos.
O que ele agora propõe é a ruptura desse impasse que sufoca a nação polarizada entre duas imperfeições políticas em confronto. Rompido o impasse com a assepsia daquela contaminação ideológica levada ao extremo, restabelecido o cordato ritual democrático, se deveria ir em busca da criatividade, da capacidade de improvisar, inventar e empreender, características do povo brasileiro.
Momentos em que o este povo exerceu alguma forma de protagonismo ocorreram poucas vezes na nossa História. Nas revoluções dos 20 só apareceram os tenentes; mesmo na revolução de 30 o povo foi mero espectador. Em 32 os paulistas foram combater pela redemocratização, e mataram e morreram para manter os privilégios do baronato cafeeiro. Até na fotografia que eternizou um momento do delírio cívico dos 18 do Forte, aparecem em poses marciais os tenentes suicidas e, junto deles, um civil elegantemente trajado. O proletariado vestindo macacões, nos anos 20 fez algumas greves, alguns quebra-quebras liderados por emigrantes anarquistas, mas a polícia logo apareceu. Era a solução da época para as insatisfações sociais. A rebelião comunista de 35 foi muito mais quartelada do que movimento popular, o mesmo acontecendo depois com o putsch dos galinhas-verdes, os integralistas, na sua maioria gente da restrita classe média, intelectuais e a oficialidade da Marinha.
Povo, trabalhador, gente pobre, participando e conquistando espaços, houve mesmo, intensamente, em três ocasiões. A primeira com Getúlio, e o seu Estado Novo, autoritário, manipulador. Mas no estádio São Januário ouviu-se, num primeiro de maio, um coral de mil vozes regido pelo maestro Heitor Villa Lobos, cantar o Hino Nacional, seguido pelo coro sem regente de mais de 30 mil trabalhadores que ali estavam para ouvir o anúncio do novo salário mínimo, conquista alcançada sobre as oligarquias semifeudais temporariamente recolhidas.
Com Lula se fez a "descoberta": mais de 40 milhões de brasileiros passavam fome. Pela primeira vez o Estado brasileiro assumiu o compromisso de garantir comida para quem via os filhos nascerem e morrerem por desnutrição. O povo surgiu, saindo das choças onde a miséria se recolhia conformada. E esse povo faminto que subiu degraus na escada da ascensão social, não é somente gente nordestina. O terceiro estado com mais gente no Bolsa Família é a Minas de Aécio, o quarto é São Paulo, rico e poderoso, de Alckmin e FHC.
O terceiro momento foram os 50 anos em 5 de Juscelino, quando o povo, mesmo sem cor ideológica, apenas com a sensação do otimismo gerado pelo desenvolvimento, passou a acreditar mais no Brasil, e fez Brasília, siderúrgicas, hidrelétricas gigantes, estradas imensas, se tornou trabalhador qualificado nas montadoras, nos estaleiros.
Mangabeira propõe um processo de energização social e econômico movido pela ideia de que não se esgotou o modelo de transformação, mas deve ser modificado, sem prescindir do povo nem excluir os atores que podem dar força a uma economia precisando deslanchar. Para Mangabeira a expansão da demanda, feita pelo salário maior e pela democratização do crédito, precisa agora exigir a expansão e democratização da oferta, ou seja, um choque de produção e produtividade, pela incorporação de tecnologias, pela educação e o ingresso de novos empreendedores no sistema produtivo.
Lembra Unger que das 500 maiores empresas do mundo quase 400 estão presentes no Brasil, e sugere que Dilma reúna essas empresas para que se descubra como poderemos participar da formidável cadeia global de negócios que elas geram.
E recomenda mais, sem fugir à ortodoxia: Muita responsabilidade fiscal e desoneração completa das exportações.