Cine Cult - Uma trajetória tão bonita quanto o perfil de Nicole Kidman
Vida longa ao Cine Cult
Publicado em 21 de junho de 2013
Por Jornal Do Dia
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Quem gosta de Cinema (assim, com inicial maiúscula) e mora em Aracaju deve muito ao Cine Cult. Em seis anos de atividades, celebrados a partir de hoje com a exibição dos filmes Depois de Lúcia (MEX/FRA, 2012) e Vocês ainda não viram nada (FRA, 2012) na rede Cinemark, o projeto coloriu as salas de exibição da terrinha com um cinema autoral, ampliando a paleta oferecida ao público local, que até então permanecia refém dos enlatados de praxe.
Hoje, por obra e graça do Cine Cult, a história é outra. Só engole a porcaria empurrada goela abaixo pelas grandes distribuidoras quem quer. A programação do Cine Cult prima por filmes de diversas cinematografias e pelo cinema nacional mais autoral, seja ele documental ou ficcional.
Segundo o idealizador e coordenador do projeto, o produtor cultural Roberto Nunes, a parceria com a Rede Cinemark Brasil, foi fundamenntal para que o Cine Cult se firmasse como um dos maiores circuitos para o cinema independente no Brasil. "Após 6 anos de existência, chegamos a 29 complexos exibidores , distribuídos por 19 cidades do Brasil".
Segundo a cineasta Lina Chamie, o Cine Cult deu relevo ao Cinema de autor produzido mundo afora, assumindo uma função pedagógica fundamental para a resistência do olhar autoral na sétima arte. "O Projeto Cine Cult é uma das mais importantes e preciosas iniciativas no âmbito da distribuição e exibição do cinema de arte em geral e do cinema brasileiro em particular. Para além das questões inerentes ao mercado, o Projeto Cine Cult trás visibilidade e consequente formação de plateia num exercício contínuo de resistência amorosa a favor do cinema nacional e seus filmes representantes de nossa cultura".
Há três anos, eu encontrei Roberto Nunes para nos debruçamos sobre os primeiros passos do Cine Cult. Apesar da paixão que lhe arrastou até aqui, nem ele mesmo imaginava que o projeto chegaria tão longe.
O homem por trás do Cine Cult – Intimado por Roberto Nunes, o produtor cultural responsável pelas exibições do Cine Cult, este escriba abriu um pequeno parêntese em suas férias e, numa conversa regada a muita cerveja e algumas doses de uísque (porque ninguém é obrigado a digerir sem o auxílio de um aperitivo), tentou entender como o principal circuito de cinema independente do país é administrado a partir da província. Nos últimos anos, o Cine Cult ignorou as fronteiras de Aracaju e conquistou quinze capitais brasileiras, sempre amparado por uma programação diferenciada, que privilegia o cinema de autor em detrimento do entretenimento puro e simples.
"Um filme pode mudar a vida de uma pessoa. Tem muita gente que procura o cinema como quem toma um analgésico. Eu prefiro acreditar nele como um agente transformador".
Reconstruir a trajetória vitoriosa do Cine Cult exige algum esforço. Roberto Nunes é daqueles seres que carregam uma vocação cigana enterrada na barriga. Nascido numa das menores cidades do interior paulista, encontrou o cinema somente em Campinas, onde, entre incontáveis idas e vindas, foi estudar educação física. Depois de ver "O encouraçado Potemkin", abrigado por um cineclube, iniciou o namoro.
Segundo ele, os cineclubes são fundamentais na formação do cinéfilo. Roberto lembra que muita gente boa ligada ao meio é cria da reflexão propiciada por esse ambiente, o que não impediu que determinados setores reduzissem o cineclube a uma ferramenta de aparelhamento ideológico e um simples meio de vida.
Roberto sabe do que fala. Depois da relação inicial de esteta com a sétima arte, se aventurou na fundação de seu próprio cineclube, com exibições e discussões semanais na cantina da Unesp. "Como a faculdade não tinha cineclube, eu decidi criar um. Os filmes eram exibidos em um pano que a gente esticava pra servir de tela. Isso foi muito importante pra minha formação. Tem muita gente que fala de cinema, mas nunca carregou um projetor nas costas".
A ideia deu tão certo que o cineclube foi obrigado a deixar o campus da Unesp e migrar para um cinema no centro da cidade. Com a última sessão das quartas-feiras alugadas, Roberto exibiu clássicos como "A voz da lua", de Fellini, que inaugurou a nova etapa do projeto e uma relação mais estreita com as distribuidoras. Naquela época, ele era obrigado a se desdobrar em mil e viajava de ônibus para São Paulo para voltar com a cópia do filme na mão.
Nesse meio tempo, Roberto cansou de trabalhar para os outros ou na construtora da família, tomou um impulso empreendedor e começou a realizar uma sessão especial nos moldes do Cine Cult num multiplex localizado no maior shopping de Bauru. Ao mesmo tempo em que a iniciativa deu maior visibilidade ao projeto, proporcionou o enfrentamento com a dura realidade do circuito exibidor mundial. "Num shopping, o cinema é apenas mais um produto. O público se comporta como se estivesse num supermercado".
Foi devido a circunstâncias pessoais (sua esposa foi aprovada em um concurso em Aracaju) que Roberto Nunes veio dar com os pés aqui. Ainda no Moviecom, deu início ao projeto Cinema de Arte, que inaugurou em 12 de junho de 2004, numa sessão histórica com a exibição de "Dogville". Problemas operacionais obrigaram Roberto a procurar o Cinemark, que se tornou um verdadeiro parceiro do Cine Cult e propôs a sua expansão para outras praças do país. Desde então, o projeto vem acumulando conquistas, como a realização de mostras temáticas, debates com alguns dos principais personagens do audiovisual brasileiro, e a realização da Virada Cinematográfica Cine Cult, uma sessão especial formada pela exibição consecutiva de três filmes numa madrugada coroada com um café da manhã servido aos sobreviventes.
De acordo com Roberto, no entanto, as maiores conquistas não podem ser mensuradas. "Me lembro de uma senhora negra, muito velha, que depois de uma sessão gratuita, realizada especialmente para idosos, me agradeceu a oportunidade de ver um filme pela primeira vez em sua vida. Ela acreditava que morreria sem jamais entrar num cinema".
Cine Cult comemora 06 anos
Depois de Lúcia (Cinemark Jadins, às 15h20)
Vocês ainda não viram nada (Cinemark Riomar, próxima terça e quinta, às 19h554)