1964 nunca mais
Publicado em 08 de agosto de 2023
Por Jornal Do Dia Se
* Ronaldo Lima Lins
Com todos os percalços que lhe surgem pela frente, o Brasil de hoje já guarda poucas semelhanças com o do século passado e, neste, com a década de sessenta. Golpes de força revestem-se de iniciativas congressuais, como aconteceu com Dilma Rousseff, e a defesa das discussões democráticas se impõe como uma prática dominante, valorizando-se, com todos os seus defeitos, os debates e plenários. Por isso choca aos ouvidos escutar um deputado defender torturadores ou a ditadura militar. Nem mesmo as Forças Armadas dão a impressão de se animar diante das retóricas golpistas, quando circulam, o que explica talvez o insucesso de Jair Bolsonaro com as pregações de fim de mandato. Saudosistas ficaram minoritários, a maioria optando por quadros arejados, capazes de defender soluções progressistas para os problemas nacionais.
Em semelhante panorama, um deputado, mesmo de direita, como Ricardo Salles, com uma argumentação que passe por uma avaliação positiva sobre os eventos de 64, em sua inquirição ao general G. Dias, depõe contra a sua biografia. Já pesavam em sua função de ministro do meio ambiente medidas em favor de madeireiros. Na relatoria da CPI do MST, estraga a sua foto com cores muito mais do que suspeitas. Até comprometedoras. Falar bem das quarteladas, em pleno Congresso, Sâmia Bomfim tem razão, significa derramar lixo sobre os fatos e fechar os olhos para as vítimas da barbárie, alvo da crueldade e da tortura. Os mundos, nacional e internacional, condenaram aquilo em todas as instâncias dentro das atuais noções de política. O general se recusou a compactuar com ele e o plenário pareceu inquieto, constrangido e incomodado com suas afirmações. Alegar que o período teve bons momentos contra a bagunça, não convenceu. Teria sido melhor se calar.
Em contraposição, destacou-se a coragem da jovem deputada enfrentando aqueles marmanjos que não tinham força para se antepor às razões que, como num rosário, explicitava em nome da verdade. Prevalece desde então, no cenário de antagonismos que ali se desenrola, a hipótese da vitória do moderno sobre o atraso – e de um Brasil mais simpático, com uma convivência fraterna, em vez de bruta e autoritária. O alto e robusto Salles que não se equivoque. Há seres frágeis, como Sâmia Bomfim, dotados de energia capaz vencer tubarões. No confronto, gaguejar desculpas e encontrar boas recordações no pesadelo na melhor das teses insinua desconhecimento da história e, por conseguinte, despreparo para as funções de congressista.
Uma lição a transmitir para os que leem pouco e não testemunharam os horrores do ambiente nazifascista nos períodos da dominação fardada está na quantidade de vítimas que tombaram nas lutas por justiça. O Ex quis reavivar como bandeira os sonhos atravessados de angústia daqueles tempos sombrios. Felizmente, perdeu a eleição e agora chora pelo que pretendeu fazer e não fez. Os aprendizes que o cercaram para se aprimorar com ele apenas explicitam a amargura e suas posições minoritárias. É o caso do Salles: um relator histérico e grosseiro com as mulheres.
* Ronaldo Lima Lins, escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ