O dia da palavra

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br – 

Atire a primeira pedra, quem nunca padeceu por falta de fé no futuro, adoecido pela brutalidade dos homens, tragado pelo espírito odiento do tempo presente. O repertório de injustiças impostas apretos e pobres, mulheres em especial, é o mais amplo. Remédio que é bom,não se conhece.
Vá dizer a um menino de escola pública para se agarrar à poesia. Entre a velocidade do TikTok e a lerdeza do busão caindo aos pedaços, não restaum mísero segundo para a abstração. A meditação é talvez a únicaexigência da fruição sensível – E também um privilégio reservado aos bem nascidos, os desocupados, os estetas, osrebeldes.
Estive com um bando destes, outro dia. Convidado pela poeta Renata de Castro para trocar dois dedos de prosa com os estudantes do colégio Dom Luciano, onde ela é professora de Língua Portuguesa,forneci-lhes alguma informação sobre a linguagem e arazão de ser de um zine.Depois, eles botaram a mão na massa e produziram ummaterial caprichado, com textos inspirados em autoras e autores negros, notável pelaexuberância de recursos gráficos.
Eu confesso: tudo a minha volta desaconselha a crença no poder transformador da palavra, a começar pelas manchetes dos jornais. Último sábado, entretanto, quando os pupilos de Renata se reuniram em um sarau no próprio colégio, à sombra de uma mangueira, pudeme reconhecerna molecada. Eu também já fui um menino tímido, sem outra tábua de salvação, além das guitarras de bandas inglesas edas páginas de um livro mofado.
Sábado, repito, fui de novo um menino. E, como tal, tive o peito tomado pela doce ilusão da eternidade.Ao contrário de Aglacy e MichelOliveira, dois dosescritores homenageados,que tiveram a oportunidade de declamar seus própriosversos e celebrar o verbo vivo de corpo presente, eu estive o tempo todo calado. Tive saudade de meus melhores professores, morto de inveja dos alunos de Renata.