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Empresas querem "tarifa cidadã"


Publicado em 15 de outubro de 2012
Por Jornal Do Dia


Passageiros se preparam para entrar no ônibus na área dos mercados

PASSAGEIROS SE ESPREMEM EM ÔNIBUS QUE FAZ A LINHA CIRCULAR CIDADE 02: TRANSPORTE COLETIVO EM ARACAJU É CARO. EMPRESAS CULPAM GRATUIDADE

Kátia Azevedo
katiaazevedo@jornaldodiase.com.br

A criação de um sistema de transporte com tarifa cidadã e eficiente economicamente desonera o poder público com custos do setor. É o que defende o Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), organizado no Brasil em 2005, que mobiliza vários segmentos sociais.

Para defensores da tarifa cidadã, os usuários de transporte público beneficiam toda a sociedade, pois mantêm baixos os custos sociais relacionados ao transporte (poluição, trânsito), beneficiando até mesmo as pessoas que não usam esse meio de locomoção.

"É importante retirar o pedágio dos custos dos usuários, ao mesmo tempo que o poder público aja em todas as suas instâncias para manutenção da qualidade do sistema de transporte oferecido à população. O fundamental é a qualificação constante do serviço público prestado, que precisa repercutir na vida da população", propõe o arquiteto urbanista Nazareno Stanislau Affonso, mestre em Estruturas Ambientais Urbanas e coordenador do MDT.

Assim como Nazareno, o diretor superintendente da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), Marcos Bicalho, concorda que os custos no cálculo da eficiência de qualquer sistema de transporte levem em conta a mobilidade para todos, o investimento permanente no transporte coletivo, o barateamento das tarifas para a inclusão social, a prioridade ao transporte público no trânsito e o transporte público com desenvolvimento tecnológico e respeito ao meio ambiente.

O tema vem sendo amplamente discutido no país através da campanha Ação Nacional Tarifa Cidadã realizada pelo MDT e acaba de ganhar força com a Lei da Mobilidade Urbana, que prevê políticas de gestão de transportes considerando os custos das tarifas e os impactos sociais e econômicos causados pela crise no transporte público.

O MDT defende que a tarifa cidadã é possível através de medidas relacionadas à justiça tributária, custeio para as gratuidades e preço justo dos combustíveis (itens respondem por quase a metade do valor que o usuário desembolsa). A ideia do movimento é conscientizar a sociedade em geral sobre os problemas do transporte público urbano e a necessidade de medidas efetivas para ampliar as oportunidades de acesso para toda população.

Em Aracaju, a tarifa cidadã foi o principal tema de discussões entre o MDT, NTU, Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setransp) e profissionais de comunicação em evento realizado pelos empresários do transporte coletivo da capital.

"Este debate mostra a importância do usuário do transporte saber o que ele está pagando na tarifa e demonstra que é possível pagar menos através da redução dos custos do setor. Além dessas propostas, que viabilizam a redução dos custos dos insumos (combustível, tributos e gratuidades pagas pelos usuários), são necessárias medidas de racionalização e integração que exigem planejamento de cada município, bem como o combate ao transporte clandestino. Queremos conscientizar o usuário do ônibus urbano sobre o que ela paga hoje e como poderia estar pagando menos se o transporte público fosse tratado como um direito essencial previsto na Constituição, como é a saúde e educação", explica Marcos Bicalho.

Outro ponto destacado por Bicalho e Nazareno é a necessidade de criação de estruturas que permitam a ampliação e a manutenção destas conquistas, com a uniformização dos cálculos tarifários e uma política de priorização do transporte público no trânsito, além da capacitação permanente dos órgãos gestores e das empresas operadoras para a redução dos custos operacionais e a longo prazo, reestruturar o setor com a mudança da política de mobilidade do país priorizando, de forma permanente, o transporte urbano nos investimentos públicos.

Gasto com transporte é elevado

Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) no estudo sobre a mobilidade urbana no Brasil, divulgado no ano passado, revela que os serviços de ônibus representam os maiores dispêndios da população urbana brasileira, sendo que o maior percentual de gasto com esse tipo de transporte está nas famílias moradoras das cidades metropolitanas.

Outra constatação é que as famílias com renda superior a 5 salários mínimos reduziram seus gastos com o mesmo, mas nas demais faixas houve aumento real dos gastos nesse item.  Outro ponto a destacar é que nas famílias com renda superior a 1 salário mínimo mensal per capita, a variação dos gastos com transporte privado sempre foi maior que a variação dos gastos com transporte público.

Em uma nova pesquisa divulgada no mês passado, o Ipea constatou que a cada R$ 12 gastos em incentivos ao transporte particular, o governo investe R$ 1 em transporte público. A pesquisa considera as três esferas de governo do país: municipal, estadual e federal.  A causa do desequilíbrio de valores gastos em incentivos é atribuída ao aumento do número de carros e motos no país e, por consequência, dos congestionamentos.
O instituto ainda calcula que o governo deixa de arrecadar cerca de R$ 7 bilhões ao ano dando estacionamento gratuito aos carros nas vias públicas, mas na prática, o Ipea considera esta estimativa conservadora, uma vez que o valor médio de estacionamento utilizado para o cálculo foi de R$ 3 por quatro horas.

Somados a isenção do IPI com a dos estacionamentos nas vias públicas, os veículos individuais recebem aproximadamente 90% de todos os subsídios dados pelo governo para mobilidade urbana.
Com essas variações de percentual por categoria, o instituto estima que o governo deixe de arrecadar entre R$ 1,5 bilhão e R$ 7,1 bilhões somente com a isenção do IPI por ano. Já os ônibus e trens recebem de R$ 980 milhões a até 1,2 bilhão em isenção de impostos.

Além da questão do subsídio, o estudo apontou outras razões para a piora do transporte público do país. De 1995 até hoje, as tarifas de ônibus subiram cerca de 60% mais que a inflação. Para chegar à conclusão, o instituto considerou o INPC (Índice Nacional de Preços do Consumidor), que é calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) todos os meses.

"Hoje temos o automóvel como subsídio social, uma forma de colocar o dinheiro público no local errado", critica o urbanista. Ele chama atenção para o fato de muitas vezes, essas políticas não serem percebidas claramente pela população por envolver omissão do poder público.

Para Nazareno, é também importante que haja transparência das informações dos custos das tarifas, o controle social dos investimentos e os direitos dos usuários – receber informações sobre itinerários, horários e tarifas dos serviços nos pontos de embarque e desembarque -, como aspectos a serem observados para que o processo de reestruturação das vias e transportes públicos seja de fato democrático.

O transporte em números

o 37 milhões de pessoas no Brasil não têm acesso ao transporte público, por falta de dinheiro para pagamento das passagens. A cada 10% de aumento no valor da tarifa, cerca de 3% de usuários deixam de utilizar o serviço. Nos últimos 10 anos, o transporte público perdeu cerca de 40% de seus usuários.

o Cerca de 35% dos brasileiros que vivem nas grandes cidades não têm acesso ao transporte público devido ao custo das tarifas, inibindo oportunidades de acesso ao trabalho, ao estudo, à saúde e ao lazer.
o 90% da demanda do transporte público no Brasil são atendidas por ônibus e o segmento do transporte público no Brasil é responsável por 1% do PIB (Produto Interno Bruto). O setor emprega diretamente cerca de 500 mil pessoas.

o 30% do preço da tarifa de ônibus pagas pelo usuário são de tributos, 19% de gratuidades e 25% do preço de combustíveis. É sobre esses itens que o MDT tem propostas concretas e viáveis de redução de custos.

Quase 90 mil não pagam para se locomover

De acordo com o Setransp, em Aracaju existem atualmente 88.266 usuários de transporte público que possuem isenção total ou parcial da tarifa. Deste total, 54.545 são estudantes. Pelos cálculos da entidade, 25% das passagens têm algum tipo de gratuidade – idosos acima de 65 anos, carteiros, policiais, e outros grupos profissionais.

"Este índice corresponde a cerca de R$ 1, 875 milhão do que é arrecadado. Sem uma fonte de custeio, o custo pelas gratuidades acaba sendo calculado no reajuste da tarifa paga pelo usuário de ônibus. Operamos com um serviço público que tem de ser pago e a única forma de pagá-lo é pela tarifa", diz o superintendente do Setransp, José Carlos Amâncio.

Ele destaca que todas as gratuidades passam pela aprovação do legislativo para vigorar, mas a exigência da fonte de custeio fica apenas no papel. Para Amâncio, a gratuidade escolar deveria ser paga pela Secretaria de Educação, como no caso do Governo Federal que custeia o tráfego dos estudantes do interior que estudam na capital. "Propomos uma mudança na legislação municipal para reverter esta situação, além da redução no preço do óleo diesel, medidas que podem reduzir os custos em 40% e beneficiar a população com uma tarifa mais acessível", defende.

Na avaliação do diretor superintendente da NTU, a fonte de custeio é um mecanismo necessário para garantir a gratuidade da passagem. "Na realidade o que falta é uma fonte de custeio para garantir uma tarifa justa. Hoje grande parte da gratuidade é custeada por usuários pagantes que convivem com vários problemas financeiros e sociais", ressalta Bicalho. De acordo com ele, em todo o país, 20% da tarifa do transporte urbano são utilizados para cobrir a gratuidade.

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