Secura da gota!
Esnobando fronteiras
Publicado em 24 de maio de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Vamos ser francos: manter um projeto musical pendurado numa ponte aérea, como faz o pessoal do Anavontou, não é pra qualquer um. Formado por músicos belgas e sergipanos, o grupo completa dez anos de atividade agora em 2023 e celebra o feito com uma residência artística no velho mundo, oportunidade em que pretende definir os rumos do projeto, exorcizando os fantasmas da pandemia.
O Jornal do Dia conversou com o cantor Nino Karvan, a fim de se somar ao coro de parabéns, entrar na roda, festejar a cultura popular, esnobando as fronteiras riscadas no mapa. Importa celebrar.
Jornal do Dia – Eu imagino que a aproximação do Membrana com o grupo belga Turdus Philomelos, origem do Anavontou, tenha sido mediada pelo diretor do filme A Pelada, Daniel Chamim. Como foi esse encontro? Há pontos de intersecção entre a tradição musical belga e a música popular brasileira?
Nino Karvan – Sim, essa aproximação foi feita por Damien, que é irmão do baixista da Turdus. Dudu Prudente, responsável pela trilha sonora do filme, estava vindo de trem com Damien, depois de masterizar a trilha do filme em Paris, e nessa viagem tiveram a ideia de juntar os dois grupos para tocar nas sessões de lançamento do filme nas salas de cinema da Bélgica. Eu entrei quase de gaiato na história, pois como iria rolar Forró e não tinha cantor eu me ofereci e rolou lindamente. Lembro que estava indo para Salvador gravar umas coisas com Dudu, do meu terceiro disco, o José, e ele comentou comigo. Eu então dei o bote e Damien gostou da ideia. A coisa fluiu tão bem e os shows foram tão contagiantes que no ano seguinte, mesmo sem disco ainda, já tocávamos em um dos mais importantes festivais belgas, o Esperanza Festival. Sobre a tradição musical belga, em especial da região que interagimos mais, a Wallonia, no sul da Bélgica, a região francófona, tem uma tradição muito forte da sanfona. Julien de Borman, o sanfoneiro da Turdus/Anavantou, já pesquisava o Forró e Gwenael, baterista e percussionista é um apaixonado pelo Forró e já morou inclusive no Brasil, há uns 15 anos. Foi muito natural o encontro.
JD – A cultura popular está em voga no ambiente musical do mundo inteiro. Aqui mesmo em Sergipe, diversos músicos e bandas têm se dedicado a extrair elementos de nossas festas e folguedos para fazer essa ponte entre tradição e contemporaneidade. Em sua opinião, essa descoberta da aldeia é sintoma de um modismo ou de um encontro genuíno com a cultura do lugar?
Nino karvan- No caso do Brasil isso vem de longe e se formos pegar mesmo ao pé da letra, vem do Tropicalismo, calcado na antropofagia Oswaldiana e depois se consolida com a geração que saiu do Nordeste nos anos setenta, a exemplo de Alceu Valença, Zé Ramalho, Ednardo e companhia e, mais recentemente, com o Manguebeat. No nosso caso, certamente temos influência dos três movimentos citados, não por um modismo, mas por acreditarmos que o novo surge do paradoxal, ou do aparentemente paradoxal. A tal da síntese dialética. O terceiro elemento não dado, com diz Jung. Digo aparentemente, pois, em princípio, o que se esperaria da junção de quatro sergipanos com cinco belgas com um grupo que faz uma música que beira o surrealismo e, ambos os grupos, de culturas tão distintas? Mas daí veio algo novo, certamente! Saiu uma crítica em uma revista inglesa a SongLines Magazine que compara o disco Brincantes à “diáspora afro-brasileira liderada por Gilberto Gil nos anos 80”. Ficamos muito felizes com as várias críticas positivas ao trabalho, em vários veículos da Europa, principalmente por sabermos que esse Brasil negro impresso ali é desse pedaço de chão que nos legou uma Nadir da Mussuca, por exemplo, que inclusive canta uma canção sua no disco, junto com a gente. Sergipe está impregnado nesse trabalho. A Marujada, a Batucada do pisa Pólvora, o Samba de Pareia e vários outros ritmos da cultura popular de Sergipe estão impressos lá e isso nos orgulha muito.
JD – O projeto “Anavantou” já contou com apoio da extinta Secult/SE, través do Edital de Intercâmbio e Difusão Cultura. Há quem considere, no entanto, o esforço dos gestores públicos na promoção da cultura local insuficientes. Em sua opinião, já podemos mencionar a existência de políticas públicas voltadas para a cultura em Sergipe?
Nino Karvan – Sim, em 2014, uma das passagens foi conseguida via edital da extinta Secult e foi a única vez que contamos com algum tipo de apoio oficial em Sergipe. Depois, a banda cresceu e chegou a fazer 30 shows em cada turnê, com um empresário alemão, o Kramer, e até 2019, foi nessa pegada. Depois veio a pandemia, perdemos o nosso empresário e estamos recomeçando agora, com uma residência artística para rever repertório, quatro anos depois do último encontro. Em relação à política cultural, eu já me posicionei diversas vezes através de artigos e, como se sabe, tenho uma postura crítica justamente à falta de uma política pública de cultura em Sergipe, que seja perene e transcenda governos, mas isso é papo para uma outra entrevista… rsrsr. Mas, por exemplo, hoje, com tantos trabalhos bons que viajam para o exterior ou que circulam pelo próprio país, é vergonhosa essa falta de editais de intercâmbio! Mandamos ofícios ainda em fevereiro. A FUNCAP respondeu dizendo que lançaria o edital até abril e nada de edital até esse momento que te respondo. Esperamos e nos demos mal, pois as passagens aumentaram muito. O mais triste foi a forma grosseira e o descaso com que fomos tratados. Já a FUNCAJU, justiça seja feita, até tentou um apoio, mas esbarrou na burocracia e na falta de recursos.
JD – Por fim, qual a expectativa para a turnê de dez anos do grupo? O prezado público chegou junto, colaborando com a campanha em curso via redes sociais?
Nino Karvan – A expectativa é a melhor possível. Estamos numa “secura da gota” por tocar juntos! A coisa estava bem adormecida, justamente pelo impacto da pandemia. Em novembro do ano passado fiz uma mensagem provocativa no zap da banda dizendo que não seria o hiato provocado por uma pandemia que acabaria com um projeto tão bonito, que deveríamos nos encontrar, nem que fosse somente para uma residência artística e para fazer um show para os amigos, comemorando os dez anos, e que encontraríamos formas de bancar a viagem. Isso meio que mexeu com o emocional da galera e começamos a nos mobilizar e mesmo com todas a dificuldades, sem disco novo, conseguimos viabilizar a residência artística e quatro shows. Será um reencontro, para reavaliar se seguimos, como seguimos, etc. Quanto à “vaquinha virtual”, certamente a Carla Zambelii teve maior êxito, em termos de valores. Rsrsrsr. Mas tem sido deveras gratificante abrir o extrato da conta e ver os pingadinhos chegando todos os dias. Na verdade eu e Júlio bancamos as nossas passagens com nossos recursos e faltava a de Pedro Mendonça, que também já compramos no cartão. A vaquinha é justamente para pagar o cartão de crédito, que está estourado. Rsrsrsr. Já conseguimos 20% do total e acreditamos que até o final do mês isso vai aumentar. Além disso no dia 28/05, domingo, às 13h, faremos uma apresentação na Casa do Mangue Restaurante, com alguns convidados: Alberto Silveira, Thais Voices, Rodrygo Besteti, Luana Marins e o grupo Burundanga, para incrementar essa receita. Ah! Dia 26 tem lançamento de single e clipe novos da banda, uma composição de Pedrinho Mendonça, chamada Tronco de Marrão, que gravamos em 2018. O clipe é assinado por Luan Allen e Ana Badiali e está lindão demais!