HOMOFOBIA, OU QUEM DESDENHA QUER COMPRAR
Publicado em 01 de julho de 2012
Por Jornal Do Dia
Madrugada de domingo, dois irmãos gêmeos caminham para casa alegres, abraçados, depois de participarem de um forró, quando um grupo de oito pessoas os agride com socos e pontapés. Um dos agressores pega um paralelepípedo e esmaga a cabeça de um dos gêmeos que morre na hora, o outro teve a face afundada mas sobreviveu.
Isto acaba de acontecer aí na vizinha Bahia, mais precisamente no município de Camaçari, na grande Salvador. Sete dos agressores foram presos, um está foragido. Três deles foram indiciados por homicídio qualificado e formação de quadrilha; Douglas Estrela, 19 anos, Adriano Lopes, 21 e Adan Benevides, 22 que, quando presos, declararam: "Ah, pensamos que fossem gays."
Os envolvidos, vítimas e agressores, tem entre 19 e 23 anos, todos jovens. Dos 260 assassinatos e outras centenas de agressões sofridas por gays no Brasil em 2011, os criminosos são na sua maioria jovens entre 18 e 30 anos, quando não são policiais estressados que matam travestis nas calçadas molhadas das grandes cidades, muitas vezes depois de se relacionarem com eles. Dos 260 mortos, 140 eram homens gays, 110 travestis e 10 lésbicas. O risco de um travesti ser morto no Brasil é 800 vezes maior do que nos Estados Unidos que tem uma população maior do que 300 milhões de habitantes.
Tive um amigo aqui no Rio, Silvio Campos Silva, competente diretor de filmes publicitários, que foi amarrado e morto por um garoto de programa em seu apartamento. O assassino foi preso horas depois com o carro do assassinado cheio de aparelhos eletro-eletrônicos. Quando interrogado, o criminoso não soube explicar a razão da morte, já que a vítima estava amarrada e não poderia impedir o roubo.
Sergipe é o nono entre os dez estados que mais matam homossexuais. O primeiro é São Paulo, o segundo é o Rio, a Bahia é o terceiro e Alagoas é o quarto. O preocupante em Sergipe é o fato de que é um estado que tem uma menor população que Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará e muitos outros mas está na frente na matança. Em 2010 Sergipe matou barbaramente nove gays, levando a sociedade Semear e a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos a se preocuparem com o assunto.
Apesar de ocupar lugar de destaque no ranking nacional de homofobia, Sergipe desenvolve importantes ações de igualdade e respeito pela diversidade, quando por exemplo a Câmara Municipal de Aracaju concedeu o título de cidadão aracajuense ao drag queen cearense Reginaldo Batista dos Santos, o Naldo ou Kharolyne Prínscipal, proposto pela então vereadora Rosângela Santana (PT) e apoiada pela maioria das minorias.
Tem um ano que a deputada Ana Lúcia fez a defesa da cidade de Lagarto, acusada de homofobia quando do assassinato do professor de Geografia Celso Milton, morto a facadas em sua casa por ser gay. Afirmou a deputada que a cidade era progressista e que exigia a rápida e eficiente apuração do crime. O professor de antropologia Marcelo Domingos é um reconhecido estudioso e pesquisador da diversidade sexual em Sergipe, tendo prestado inestimáveis serviços em conjunto com o professor baiano Luiz Mott, do Movimento Gay da Bahia, e a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, atualmente dirigida pelo professor Luiz Eduardo Oliva.
A Paraíba disputa com Alagoas o quarto lugar nacional de homofobia onde recentemente um travesti foi morto com 30 facadas em Campina Grande ao cobrar o valor do programa. Em Cabedelo, o estudante Marx Nunes tentou defender dois homosexuais numa discussão de rua e foi morto com um tiro no pescoço. Em Alagoas, o padre Hidalbert Guimarães, de 48 anos, da paróquia de Murici, foi morto pelo jovem de 19 anos Rafael Timóteo da Silva, acompanhado por um menor, depois de um programa na residência do pároco.
Ainda em Alagoas, o gay Jefferson Lima foi encontrado morto, preso a uma âncora no Rio Coruripe.
Mas o líder nesse tipo de crime continua sendo São Paulo. Eusenilson Paulino, 23 anos, de Ribeirão Preto, morto a tiros por dois homens numa moto. Em Pirajuí, o cabeleleiro Elias Juranir, 40 anos, assassinado com facadas nas costas, boca e pescoço. Em Bauru, um travesti de 18 anos, levou cinco tiros nas mãos e nas pernas de um PM que não quis pagar um programa de R$ 10. Também em Bauru, o travesti conhecido por Tatiana, 22 anos, foi morto a tiros na avenida principal da cidade por um homem num carro Del Rey prata.
Quem se der ao trabalho de ficar observando à noite na Avenida Indianópolis, no bairro de Planalto Paulista, em São Paulo, vai ver carros da Polícia Militar parar, um travesti entrar e o carro sair para voltar 15/20 minutos depois. É o preço que pagam para fazerem ponto naquele lugar, embora não signifique garantia de segurança, fazem isso apenas para não serem impedidos de trabalhar.
No mês passado houve uma onda de violência de grupos jovens que atacavam gays, ou suspeitos de serem, em plena Avenida Paulista, no coração da metrópolis. Os casos mais emblemáticos foram os do casal gay agredido por três homens, sendo que um deles bateu nas vítimas com lâmpadas de neon, estilhaçando-as contra o casal. O outro foi a de um pai que vinha caminhando abraçado ao filho e que foi socado por criminosos que acreditaram se tratar de gays, como o atual caso dos irmãos gêmeos de Camaçari, na Bahia, quando um deles foi assassinado.
Inacreditável que isso aconteça exatamente na Bahia que tem o mérito de possuir o mais tradicional e atuante movimento gay do país, liderado pelo MGB, de Luiz Mott e do deputado federal Jean Willis, ex-BBB. Mas lembrem-se que foi nesta mesma Bahia que o jornalista José Augusto Berbert de Castro manteve uma coluna durante décadas no jornal A Tarde onde pregava acintosamente "mate um gay por dia" sem que ninguém dissesse uma única palavra contra esta atitude criminosa.
São muitas as razões das agressões e dos assassinatos de gays, vão desde simples latrocínios até as mais rancorosas mentes fascistas de preconceituosos homofóbicos. Mas uma motivação é certa; muitos desses criminosos lutam internamente contra indesejáveis impulsos que os levariam a sair do armário e, muitos deles, depois de praticar o ato sexual com o seu igual, ou mesmo diante da simples existência do homossexual, vem na morte desse igual a sua libertação da "sujeira"cometida, ou que poderia ser cometida, uma espécie de redenção através do sangue do outro. Ao matar aquele que ameaça liberar o seu instinto mais íntimo, o assassino ou agressor se sente livre, é como se dissesse a si mesmo que nada daquilo aconteceu, ou uma garantia que de nunca venha a acontecer.
Minha avó, quando alguém repudiava muito agressivamente alguma coisa, ela costuma dizer "quem desdenha quer comprar".