**PUBLICIDADE
Publicidade

O BARATO DE ÁGUAS CLARAS


Publicado em 12 de março de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos

Sou da geração do primeiro Rock in Rio, realizado em 1985. Durante anos, mesmo sendo um estudioso de história da música, não havia tomado conhecimento de algo do tipo anterior a esta data, salvo os festivais ocorridos nos anos 60 e 70. Foi quando tive a feliz oportunidade de assistir o documentário “O Barato de Iacanga” (2019), do diretor Thiago Mattar.
O filme faz memória do chamado “Woodstock do Brasil”, uma referência ao famoso festival de música ocorrido na cidade de Bethel, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos, entre os dias 15 a 18 de agosto de 1969. Thiago Mattar, através de uma pesquisa bem-sucedida, dá conta de reportar historicamente os bastidores do Festival de Águas Claras.
Festival de Águas Claras aconteceu na Fazenda Santa Virgínia, na cidade de Iacanga, interior de São Paulo, nos moldes do Woodstock, não com a mesma estrutura e atrações, claro, mas com o mesmo mote inspirador. Teve quatro edições: 1975, 1981, 1983 e 1984. Foi idealizado por Antonio Checchin Junior (Levinha), estudante de Engenharia à época.
Em 1972, Levinha ficou com uma tragédia, envolvendo um acidente de trem na cidade de Mogi das Cruzes-SP. Trancou e abandonou a faculdade e resolveu fazer uma viagem pela América Latina para desanuviar e procurar redirecionar a sua vida. Influenciado pelo que viveu e experenciou por onde passou, resolveu bolar um festival na propriedade da família, que lhe deu todo o apoio e condições necessárias, mesmo sendo uma grande aventura e um risco enorme.
Era um tempo de repressão política muito forte em razão do regime militar que governava o país. Ainda assim, cercado por amigos, Levinha levou o empreendimento adiante, tornando-o uma realidade além de suas expectativas, em 1975. Estima-se que cerca de 10 a 25 mil pessoas estiveram presentes, sem nenhum incidente grave, sob o olhar atento das autoridades locais e sob os olhos dos órgãos censuradores de Brasília.
A primeira edição do Festival de Águas Claras foi um sucesso, coberto de perto pela imprensa paulista e nacional, mas causou muita resistência do regime militar, que proibiu a realização de uma nova edição. A alegação era a de sempre: subversão, propaganda comunista, atentado ao pudor e uso de entorpecentes. Razões estas sempre apresentadas pelos órgãos fiscalizadores sempre que se sentiam ameaçados em sua necessidade de estabelecer um controle social.
Durante o filme, O Barato de Iacanga, vários personagens foram entrevistados, a exemplo de Levinha, familiares e amigos. Ricos depoimentos que ajudam a entender porque um festival tão importante ficou meio que no anonimato por tanto tempo, passando despercebido, por exemplo, por minha geração. Thiago Mattar fez questão, inclusive, também o lado daqueles que foram contrários ao festival.
Dos depoimentos, consegui perceber que o evento só conheceu sucesso quando foi natural e espontâneo. Assim, a pior edição e a definitiva, a de 1984, onde o mercado entrou com força, matando a essência do festival. Entre os entrevistados, a maioria reputa como os melhores deles quatro, os realizados em 1981 e 1983, contando com participações importantes, a exemplo de Raul Seixas, Alceu Valença, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Os Novos Baianos, Erasmo Carlos, Sandra de Sá e o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar. Não trio elétrico, veículo, mas o grupo, contando inclusive, na edição de 1983, com a presença de Osmar Macêdo, um dos inventores do Carnaval elétrico da Bahia.
Mas nada se compara à apresentação icônica de João Gilberto, em 1981, para deleite do público presente e do próprio cantor, que chegou a dizer que foi um dos melhore shows de sua vida. Imagina, então, para aqueles jovens “malucos” ou não, que acorreram para aquele lugar, com em Woodstock, para curtir um barato melhor, em particular, a natureza e a vida.

**PUBLICIDADE



Capa do dia
Capa do dia



**PUBLICIDADE


**PUBLICIDADE
Publicidade