Ópera leva moradores de Congonhas a visitarem a própria história
Publicado em 17 de julho de 2024
Por Jornal Do Dia Se
Os banquinhos de plástico transformaram-se em poltronas para assistir à novidade. Não era um teatro, e o vento soprava na praça em que Maria Conceição Fabri, de 73 anos, trabalha todos os dias vendendo água de coco.
Diante do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, na histórica Congonhas (MG), a 80 quilômetros de Belo Horizonte, Conceição ficou encantada ao assistir a um espetáculo de ópera pela primeira vez na vida.
O espetáculo Devoção encenava, ao ar livre, na noite do último sábado (13), a saga do português Feliciano Mendes que, em pagamento a uma promessa, construiu a igreja com a venda de ouro e doações que conseguiu na cidade.
Em cena, nessa pré-estreia, os artistas contracenavam com os 12 profetas esculpidos em pedra sabão por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, no lugar que é patrimônio cultural da humanidade. Emocionada com o espetáculo, Conceição não descuidava do seu ouro de todo dia: “oi família! Bora comprar água de coco?”.
“A gente sabe a história daqui da igreja, e do Feliciano Mendes, mas desse jeito fica até mais bonito”, diz a comerciante, que já foi doméstica, cozinheira e se aposentou.
Ao lado dela, a aposentada Maria Cristina Assis, de 77, também ficou emocionada porque se lembrou da própria história, ao pagar promessas para ter saúde. Ouviu do tenor: “foi uma longa jornada…” e reagiu: “foi mesmo. A minha jornada, também”. “Que vozeirão o dele. Essas luzes ficam tão bem! Como ele lembra dessa música tão longa? É a nossa história”.
Maria Cristina sonhou em ser professora, mas precisou parar o curso de magistério. Precisava cuidar da família. “Tive 21 filhos, mas perdi oito. Já paguei promessa para melhorar de saúde. Casei nova, mas nunca fui feliz no casamento. Nunca tive tempo de sonhar nada”.
Ela não teve “qualquer ouro” para pagar a promessa, vive da aposentadoria por invalidez e reza todos os dias no santuário que era o cenário da ópera. “Vivo com uma filha que é mãe solteira e penso como ajudar 12 netos e seis bisnetos. Tenho vários problemas de saúde e sempre recorro ao Bom Jesus”.
Ela lembra que a mãe dela também orava por saúde. “O que nós temos para doar é a fé. A única coisa que a gente tinha era minhas roupas”.