VESÂNIA E FRENOPATIA – O CARNAVAL POR MELO MORAIS FILHO
Publicado em 19 de fevereiro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Delírio coletivo e perturbação mental. Algumas das expressões usadas para o Carnaval no século XIX, no Brasil. Tradição festiva de longa data, remontando aos antigos costumes das primeiras civilizações orientais e ocidentais, atravessando o tempo e se reconfigurando, o que chamamos hoje de festa momesca, segundo Melo Moraes Filho: “(…) implica o uso da máscara e dos disfarces; e a máscara era usada pelos trágicos gregos e romanos” (p. 40).
Natural de Salvador-BA, aos 23 de fevereiro de 1844, e falecido no Rio de Janeiro no dia 1 de abril de 1919, Alexandre José de Melo Morais Filho foi um dos parceiros e entusiastas da obra de Sílvio Romero, responsável direto por seu interesse pela lúdica do povo. Em 1888, ele publicou um denso estudo a respeito, condensando sua pesquisa em “Festas e Tradições Populares do Brasil”, cuja reedição mais recente, usada no presente texto foi do Senado Federal, de 2002.
Prefaciada por Romero, “Festas e Tradições Populares do Brasil” dedicada um valioso capítulo ao Carnaval, notadamente aquele vivenciado na segunda metade do século XIX, no Rio de Janeiro, sede da Corte Imperial Brasileira e palco dos principais acontecimentos políticos, sociais e culturais do país. Segundo o autor, o evento começou na capital federal logo após a proibição do “jogo de entrudo”, prática colonial onde as pessoas jogavam entre si, como numa guerra, todo tipo iguaria, farinha à urina.
As voltas com as proibições e limitações da Igreja Católica, interessante observar que ao passo em que o Carnaval “agonizava na França” pós-Revolução de 1789, no Brasil, notadamente no Rio de Janeiro, não só nascia como se afirmava, nos moldes que passamos a conhecer a partir de 1854, momento em que, segundo Moraes, o festejo ganhou corpo com carros caracterizados por máscaras e mascarados e que os clubes sociais eram tomados pelas ordenanças de Momo: “(…) a loucura descobria o prazer ao som da música escolhida…” (p. 41).
Não tardou para que o Carnaval atraísse a atenção e o entusiasmo no comércio, dos governantes, das classes mais abastadas e também da imprensa escrita, principal responsável por sua popularização e propagação. Logo estava nas ruas, merecendo até mesmo o prestígio da Família Real: “O imperador, a imperatriz, e as princesas observavam do passadiço do palácio a animação dos festejos…” (p. 44). E não muito diferente e indiferente, seus súditos menos afortunados: “O povo abria-se em fileiras defronte do paço…” (p. 44).
De sábado ou de “domingo gordo” até a terça-feira que antecedia ao início da Quaresma, as ruas do Rio de Janeiro e os clubes viviam tempos de vesânia ou frenopatia. Ou seja, nos moldes da época, tomado por sandices divertidas de toda sorte, sob o olhar público e até mesmo velada. Os efeitos do Carnaval eram nítidos: “Sentia-se que a cidade saía fora de sua vida habitual, e que seu aspecto exterior era um reflexo pálido da alegria pública” (p. 47).
Curioso notar que ao término da terça-feira, se praticava o chamado “enterramento do Carnaval”, com direito a pompas funerárias. O estorvo da vida real, por alguns dias, era todo extravasado. Para Moraes: “Impossível fora descrever o entusiasmo das multidões!” (p. 46). Entusiasmo que naquele momento ainda era freado por uma série de princípios morais e religiosos, mas que seguiu, ao longo dos tempos, espalhando-se pelo Brasil e assumindo diversas formas de “loucura” coletiva ou de alegre histeria.