Árbitro de Futebol: protagonismo ingrato
Publicado em 18 de novembro de 2021
Por Jornal Do Dia
* Vânia Azevedo
Tido como um dos temas mais polêmicos do futebol, a arbitragem não só tem roubado a cena com as controversas atuações em campo, como tem interferido em resultados que alteram a tabela de classificação dos campeonatos em curso, ocupando o centro das discussões mais acaloradas, a ponto de dividir com a política um protagonismo raramente ameaçado.
Ter o conhecimento teórico sobre as regras de futebol, associado ao conhecimento prático sobre a mecânica da partida de futebol não são recursos suficientes para garantir uma atuação, senão impecável, pelo menos, dentro da normalidade, no ambiente inflamado que se instala numa partida de futebol, onde as pressões tanto partem da insatisfação dos jogadores, dirigentes, comissão técnica, etc., como de torcedores com manifestações agressivas e tóxicas.
A constante polêmica que vem ganhando espaço cativo na mídia esportiva tem origem no comportamento dos árbitros de vídeo (VAR, no inglês, Vídeo Assistant Referee). Criado para analisar lances polêmicos advindos da ingrata posição do árbitro de campo, por vezes sujeito ao erro, face as decisões tomadas sob pressão – ou não tomadas. O VAR, de posse de imagens de vídeo e auscultadores que viabilizam a comunicação com o árbitro principal, infelizmente não pôr fim aos constantes erros ou marcações equivocadas. A polêmica engendra desgaste à arbitragem e insatisfação a jogadores e torcedores – sem falar dos problemas que tudo isso acarreta aos clubes. Como inaceitável também, é a inação de árbitros diante da insubordinação de determinados jogadores em campo – como o caso recente de Neymar no jogo contra a Colômbia, partindo para o árbitro em atitude desrespeitosa sem que nenhuma punição lhe seja conferida. Os casos polêmicos contabilizados, conferiram aos árbitros no ano de 2021, um protagonismo ingrato, onde a sua competência nunca foi tão questionada, e a sua autoridade tão desacreditada.
Demonstrando preocupação a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) reagiu ao substituir o chefe de arbitragem, Leonardo Gaciba por Alício Pena Júnior (que assume interinamente até o final de 2021), o que não é garantia de mudanças nesse cenário. Alício chega prometendo “dar aos árbitros condições para trabalhar com tranquilidade e tentar diminuir a pressão que é muito grande.”
Confesso que não vejo o que pode ser feito de imediato para realmente trazer mudanças efetivas que não seja a profissionalização da arbitragem, onde o árbitro possa viver exclusivamente da profissão e demandar tempo para uma preparação mais adequada; que a preparação não se restrinja apenas ao conhecimento intrínseco à profissão, mas, que a atenção dispensada ao condicionamento físico, seja complementada com a preparação psicológica, otimizando a manutenção da saúde mental, para melhor reagir às pressões sem os riscos a que está sujeito o próprio organismo.
Mas o que me parece bizarro mesmo é a colocação do novo chefe da arbitragem ao pontuar que “todos que trabalham sob pressão têm dificuldade de exercer a profissão.” É verdade. [Agora] separa qualquer profissional que enfrenta dificuldades para lidar com as demandas de uma profissão já não é fácil, imagina quando ele tem uma atividade que lhe exige foco, decisões rápidas, equilíbrio emocional e estresse constante como a de árbitro? E ainda é jogado, literalmente, numa arena para enfrentar todo tipo de animosidade, jogadores exaltados e vaidades assoberbadas. E o que é mais um agravante: esse profissional acumula responsabilidades em profissões distintas, motivo pelo qual, dificilmente esse árbitro terá as condições ideais para atuar, quando ele já entra em campo levando consigo o acúmulo de responsabilidades do homem e do profissional que ele é, o que só aumenta a sua carga emocional. Isso porque, não são profissionalizados pela CBF, exercendo o ofício de árbitro como autônomos – o bico propriamente dito. Se a Lei 12.867/2013(que regulamenta a profissão de árbitros) não dá à categoria a proteção devida, a situação fica pior quando se consulta a Lei Pelé, e esta estabelece que os árbitros não possuem qualquer vínculo com a entidade que os remunera. Fato que não ocorre em países europeus (Inglaterra e Espanha), onde o árbitro não só tem remuneração fixa mensal, como gratificação por jogo, podendo ter uma remuneração diferenciada caso apite na Premier League. Ratificando que só mesmo tendo as condições ideais de trabalho, para os árbitros dedicarem tempo e melhor preparação na profissão, como alçar a valorização devida e atuações mais condizentes (o que não os isenta totalmente de erros, mas evita), caso contrário, o cenário segue caótico e desacreditado.
Repensar os problemas que incidem na categoria, tendo a profissionalização como premissa, talvez seja a iniciativa que falta a árbitros, legisladores, clubes e associações esportivas, se pretendem a melhoria dos espetáculos de futebol – sob pena de se tornar um MMA. E tudo começa com condições descentes de trabalho para os árbitros, necessidade indeclinável a qualquer profissional.
* Vânia Azevedo é professora