Banho de Cuia
Publicado em 28 de novembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
Quando alguém casa, vai morar junto, se diz que juntou as cuias. E quando viaja para longe, para demorar, se diz que foi de mala e cuia. Não deixou nada
* Antonio Samarone
O pé de cabaça (cuieira, coité, cabaceira, pé de cuia), do meu sítio, botou o primeiro fruto. Está quase maduro.
Fiz uma viagem no tempo.
Herdamos a cuia dos índios. Muito usadas em celebrações das beberagens do cauim. Na feira de Itabaiana vendiam-se cuias de todos os tipos e tamanhos.
Cansei de tomar banho de cuia. Isso mesmo, aquele banho de sopapo, que os meninos odiavam. Eu adorava! Mamãe mornava a água e, deliciosamente, despejava-a com uma cuia, aos poucos, em minha cabeça.
Lembro-me dos arrepios nas costas.
Não falo do banho de cuia das peladas, um drible humilhante, próprio dos craques, que os pedantes chamam de lençol, chapéu, balãozinho. Fazer o gol, dando um banho de cuia no goleiro, era a glória suprema.
O meu banho de cuia era com água de tanque e sabão de coco.
Antes do Sistema Métrico, a cuia era usada como medida para secos, representando 1/32 do alqueire (36,32 litros).
Alcancei farinha vendida em cuia, na feira de Itabaiana. Uma cuia de farinha era um litro bem medido, um pouco mais.
Meia cuia de farinha era um padrão para esmolas.
A cuia também serve de prato, usada pelos pataqueiros e boias-frias na roça.
Os barbeiros cortavam cabelos usando uma cuia na cabeça do cliente. Se raspava da cuia para baixo. Passava-se a máquina zero. Sobrava um toco redondo de cabelos, no “cucurute” do freguês.
No Sul, a cuia em forma de cabaça é tradicional, para quem toma chimarrão. No Norte, usa-se a cuia para se tomar o tacacá.
A cuia é parte importante de um instrumento musical, sagrado para a capoeira, o berimbau.
Quando alguém casa, vai morar junto, se diz que juntou as cuias. E quando viaja para longe, para demorar, se diz que foi de mala e cuia. Não deixou nada.
Para finalizar, a cuia pode ser usada como “marca de qualidade”. Para se desclassificar uma coisa, um objeto, um sujeito, uma mercadoria, se diz que é marca Cuia. E aí, o rádio é bom? Que nada, é um rádio marca Cuia.
Estou pensando qual será o destino dessa primeira cuia, de minha lavra.
* Antonio Samarone é médico sanitarista