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Como explicar uma extrema direita de massas?


Publicado em 04 de fevereiro de 2025
Por Jornal Do Dia Se


* Emir Sader
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A direita busca seu retorno ao governo. Para isso, tem necessidade premente de destruir a imagem de Lula, pois lhe é fundamental desqualificar o Estado, a política, Lula, o PT e a esquerda.
A última eleição de Lula se deu em condições muito difíceis, sem maioria no Congresso e com um presidente do Banco Central de direita. Sua primeira metade do mandato permitiu a recuperação da economia, que voltou a crescer, com a elevação do nível de emprego. Nos próximos anos, poderá contar com um presidente do Banco Central nomeado por ele.
Mas, paradoxalmente, a direita, sem ter deixado nenhuma herança política, mantém um nível de apoio difícil de explicar. Isso se deve, em parte, à desqualificação do Estado – visto como corrupto (o que, para esse grupo, o identifica ao PT e a Lula) e incompetente. As políticas de Estado mínimo ganham força, direcionando ao Estado a insatisfação popular, em contradição com o fato de que é o próprio Estado que garante o crescimento da economia e a expansão do nível de emprego.
Para compreender esse fenômeno, é necessário considerar que o surgimento da extrema direita obedece a uma mudança cultural muito profunda, que se gestou lentamente. Segundo o importante pensador argentino Alejandro Grimson, em seu novo livro As paisagens emocionais das ultradireitas de massa, por razões tecnológicas, econômicas, laborais e de diversas naturezas, transformou-se o modo predominante como as pessoas pensam, sentem e veem o mundo. Emergiu uma nova sensibilidade, com dimensões globais, nacionais e locais. Surgiram novas paisagens emocionais, novas formas de perceber e significar o mundo. Ingressamos em uma nova era de fanatismo.
Nunca houve, na história, uma sociedade tão individualista. A extrema direita avança, em parte, pelos pontos cegos das forças democráticas. O pensamento binário continua hegemônico nesses espaços. Grimson resgata uma máxima da antropologia: “Precisamos compreender o que não podemos compartilhar.” Os fenômenos autoritários e totalitários, os modos de sentir dos setores hegemônicos e da multiplicidade dos setores subalternos – tudo isso precisa ser compreendido. O que não podemos compartilhar é potencialmente infinito, mas o projeto teórico e político deve ser sua compreensão. A vida democrática requer tornar realidade essa máxima da antropologia, segundo Grimson.
É preciso compreender aqueles que pensam e agem de forma distinta da nossa. Se não há convivência na pluralidade, como pode haver democracia?
Ao analisar o apoio de massas da extrema direita, veremos que ele não se restringe a um setor social determinado, mas é pluriclassista. Ao contrário da profunda desarticulação das forças democráticas, a direita radical se fortalece por meio de uma rede e de uma estratégia global. Assim, está em condições de capitalizar o sismo emocional da incerteza, que transforma as percepções subjetivas. Isso se relaciona diretamente com o desencanto com a democracia realmente existente. Diante dessa desilusão, a extrema direita responde a uma demanda social concreta. Isso coloca a questão: quais são as condições necessárias e suficientes para que surja uma crise na democracia?
É fundamental compreender as novas formas de percepção e significação que se tornam hegemônicas em várias sociedades. Há sensibilidades emergentes com grandes consequências, tanto no novo individualismo quanto na repulsão dos diferentes. É necessário abordar a relação entre a ira, o ressentimento, o medo e os significados contrapostos da nostalgia. Os significados políticos dos afetos são contextuais.
Na sociedade mais individualista da história, vivemos realidades paralelas. A extrema direita fabrica inimigos políticos manipulando sentimentos. Diante disso, que política têm as forças democráticas para lidar com as sensibilidades emergentes?
Sem decifrar esse enigma, não conseguiremos compreender a força atual da extrema direita, combatê-la, derrotá-la e fortalecer a construção da democracia em nossas sociedades.

 

* Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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