Afonso Nascimento bate à porta da “Luta pelo poder”
Publicado em 04 de fevereiro de 2025
Por Jornal Do Dia Se
* José Vieira da Cruz
A obra “Lutas pelo poder” – de José Afonso do Nascimento, professor de direito aposentado da UFS, assíduo colaborador de jornais, sites de notícias e redes sociais – reúne ensaios sobre indivíduos e grupos políticos em Sergipe. Em síntese, nesta obra ele bate à porta da opinião pública aguçando reflexões, debates e leituras sobre o papel da sociedade civil e do Estado que nos é contemporâneo.
Atento as tramas políticas, bem como, ao debate acadêmico acumulado a partir de sua imersão pessoal e profissional no Brasil, França e Estados Unidos, ele expressa uma escrita direta, objetiva e crítica do jurídico ao histórico. Assim, como em outras obras de sua lavra – a exemplo de “Incursões de um intelectual na mídia escrita” (2014) e “Resistência e adesão ao regime militar” (2020) -, este bacharel em Direito pela UFS (1976), mestre em Ciências Jurídicas pela UFSC (1981), titulado em Diplôme D’études Approfondies (DEA) pela Universidade de Montpelier, França, e com experiência profissional na Paul University, Estados Unidos, de modo inquieto e, frequentemente, provocativo tem incitado leitores a baterem à porta do poder – com reflexões desconformes ao estabelecido pelos status quo dos que rondam a academia e as instituições do aparato estatal. Assim, obra e autor, têm em comum o inconformismo, rebeldia e atrevimento crítico.
A obra – estruturada em três partes, 28 ensaios e 157 páginas – esmiuça, nos primeiros 17 textos, trajetórias, cenas e disputas acadêmicas, estudantis, sindicais e políticas contra o golpe e a ditadura. E, a este respeito, confere atenção ao protagonismo de professores e estudantes de direito e de outros cursos da UFS e, ainda, de como eles sofreram com arbítrio autoritário e enveredaram pelo campo da resistência democrática. Dentre eles: Zelita Correia, Silvério Fontes, Osman Hora Fontes, Zé Luiz, Marcelo Déda, entre outros.
Em regra, seus ensaios são concisos, o que facilita a leitura. Estes, por sua vez, seguem como metodologia análises de testemunhos coletados pela Comissão Estadual da Verdade de Sergipe – do qual o autor também foi membro, entrevistas que ele realizou e pesquisas compiladas junto a arquivos, jornais e bibliografia existente.
A segunda parte da obra, composta de 7 ensaios, preserva o estilo estético de uma narrativa que envolve o leitor, mas elege a teoria do Estado e os desafios de sua modernização, em particular, quanto a participação da sociedade civil na luta pelo poder, como objeto de atenção. Esta parte do trabalho é ainda mais provocativa por discutir, sem assombros, como o Estado utiliza a Lei de Segurança Nacional e, sobretudo, como o uso desta legislação em tempo de arbítrio é transpassada de excessos, exceções e violações – a este respeito o autor oferece um ângulo preciso, claro e bastante crítico quanto a este tema. Em outro ensaio, “Uma sociedade civil tutelada”, ele interpela o papel do Ministério Público como defensor dos interesses da sociedade e, ao mesmo tempo, como um dos responsáveis pelo esvaziamento, fragmentação e dispersão da sociedade civil – ângulo de abordagem que poucos ousam enfrentar.
A terceira parte do livro, constituída por 4 ensaios, discute o protagonismo sindical, político e parlamentar da ex-deputada estadual Ana Lúcia Vieira. A respeito, ele a apresenta com suas virtudes, posicionamentos, contradições e lugar de fala. A atenção a referida ativista, assim como ao ativismo de Zelita Correia, já valeram a obra a publicação da resenha “O protagonismo político feminino em livro de Afonso Nascimento”, de autoria da historiadora Célia Cardoso.
Em síntese, a obra, ao estilo dos formadores de opinião independentes, é transpassada de controvérsias, polêmicas e críticas aos acordos, tramas e jogos de poder tanto na universidade como nas esferas de poder estatal – municípios, estados e união – , em particular, quanto ao protagonismo de intelectuais, políticos e ativistas sociais. Sob este ponto de vista, o livro revela como o autor pensa a relação do Estado com a sociedade civil e vice-versa. E, em especial, instiga a necessidade de uma melhor compreensão acerca do conceito de sociedade civil tutelada e de sua fragilidade, riscos e limitações da atual carta constitucional no contexto da Nova República.
Observadas as ressalvas de uma escrita independente, rebelde e sem receios de contestação, é uma leitura agradável que pode ser feita – ensaio a ensaio ou em conjunto – por aqueles que batem ou não às portas do poder.
* José Vieira da Cruz, historiador, professor da UFS e membro do IHGSE