Desfazendo o Mito da Produtividade
Publicado em 02 de outubro de 2024
Por Jornal Do Dia Se
* Abraham B. Sicsú
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Dois problemas são preocupações constantes daqueles que querem que a economia brasileira realmente dê certo. Um é o baixo nível de investimento, tem se mantido em torno de 17% do PIB, muito condicionado pelas escorchantes taxas de juros definidas pelo Banco Central. Assunto para um próximo texto. Outro é a baixa produtividade do trabalho do país, tema para este artigo.
Tenho lido trabalhos que indiretamente retomam a idéia de que o trabalhador brasileiro seria responsável por esse desempenho, na prática retomando a concepção de indolência nos trópicos, muito usual no fim do século XIX e início do século XX.
Análises apressadas se centram nos dados de consultorias internacionais que apontam que nosso índice de produtividade seria um quarto do apresentado pelo trabalhador americano. Não negando o dado, faz-se necessária uma análise mais apurada.
Deve-se ter claro que o índice não retrata apenas a eficiência do trabalhador, é obtido pelo cociente entre o Produto Interno Bruto-PIB e o número de trabalhadores empregados, ou seja, reflete muito mais, a própria estrutura da economia brasileira no que tange ao valor agregado e condições de empregabilidade.
Nesse sentido, bom notar como é composta nossa matriz produtiva. Tem forte peso nos setores primários como agronegócios e mineração, além de serviços tradicionais. Mesmo a matriz industrial é fortemente assentada em pequenas e micro empresas, uma grande parte de gestão familiar. Bem diferente do que ocorre nos países mais avançados da OCDE onde a indústria de ponta e serviços modernos têm muito maior peso.
Nossas empresas têm baixa produtividade principalmente devido à baixa modernização e pequenos investimentos em novas tecnologias e equipamentos de última geração. Além disso, seus processos são muito pouco digitalizados, usando técnicas menos eficientes, o que traz problemas de produtividade. Ou seja, temos uma matriz produtiva que é muito pouco atual no que tange à tecnologia e processos produtivos, com pequena inserção em segmentos de alta produtividade e geradores de alto valor agregado, o que leva a índices mais baixos de produtividade.
Também, nossa logística de escoamento tem problemas estruturais. O transporte de grandes cargas é basicamente rodoviário e se abandonou praticamente toda a malha ferroviária e cabotagem. Isso encarece o processo e aumenta os custos, tendo impactos importantes na redução dos valores alcançados pelo PIB.
Ainda nos transportes, nossa malha de escoamento fluvial e marítima apresenta estrangulamentos que geram filas enormes em épocas de safra e de grande demanda externa, o que atrasa os processos e dificulta a comercialização.
Uma burocracia infernal ainda persiste no país. Abrir empresas, obter alvarás, atender as exigências das agências reguladoras, algo difícil e demorado. Sem falar no crédito que é caro e complicado. Tudo isso, faz com que caia o PIB.
É verdade que temos problemas com a qualificação da mão de obra. Se pensarmos nos segmentos da nova manufatura 4.0, as dificuldades são concretas. O analfabetismo funcional parece ser real.
A leitura de manuais, os cálculos um pouco mais sofisticados seriam necessários para a preparação dessa mão de obra. Infelizmente nosso sistema educacional ainda não consegue dar as respostas no tempo que se precisa. Precisamos modificar nossos currículos e criar capacitações específicas para novos processos que têm surgido.
Com esse quadro, pode-se notar que a questão de produtividade transcende em muito o perfil dos trabalhadores estrito senso. Medidas estruturais são necessárias para modificar o panorama. Algumas têm sido pensadas e começam a ser introduzidas.
Na área educacional, a criação de cem novas escolas técnicas federais parece uma resposta para parte do problema. Currículos devem ser modificados para além de formar programadores, ter profissionais que possam entender os códigos sofisticados das novas estruturas e programas utilizados, profissionais que possam alterá-los quando necessário.
Na matriz produtiva, ênfase parece ser dada, com o programa Nova Indústria Brasil-NIB, para setores que se inserem nas tendências internacionais.
Chama-se a atenção que um dos principais vetores da NIB é a Transformação Digital de nossas empresas. Inserir-se em um mundo em que a inteligência artificial passa a definir tendência de expansão, em que a manipulação de um inimaginável volume de informações com Data Bases potentíssimos, mundo em que a internet das coisas é cada vez mais corriqueira, passa a ser fundamental.
Nessa direção, tendo claro ser fundamental a inserção com competitividade no mundo digital, dois programas estão começando a ser implementados e podem ser fundamentais.
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), com centros regionais direcionados às especificidades locais e a implantação de um dos cinco computadores mais potentes do mundo no país. Base para as novas relações de trabalho que começam a se configurar.
Também, o Programa Brasil Semicondutores (Brasil Semicon) que dá alicerces para que as indústrias brasileiras da área efetivamente se integrem aos mercados internacionais e supram as diferentes solicitações de empresas locais.
Na área de logística de transporte e comercialização, o novo PAC parece ser programa adequado para diminuir os empecilhos atualmente observados e procurar dar condições adequadas de escoamento e suprimento.
Esse complexo de iniciativas faz-se necessário para o salto de eficiência que se deseja dar na produtividade. Não passa pelas visões distorcidas que geram estigmas negativos para os trabalhadores do país, abordam as reais dificuldades que se apresentam. Os problemas são fatos concretos que foram se enraizando no modus operandi do Brasil e precisam ser corrigidos. Parece que as medidas estão na direção certa.
* Abraham B. Sicsú, professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e pesquisador aposentado da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco)