Quarta, 11 De Dezembro De 2024
       
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Em pleno FASC


Publicado em 29 de novembro de 2024
Por Jornal Do Dia Se


Linguagem global, com o sotaque de São Cristóvão (Divulgação)

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

 

Desde hoje, até domingo, 01 de dezembro, São Cristóvão assume de novo a vanguarda sergipana. Há quem diga, nunca foi diferente. Ao menos, em termos de Cultura.
O Festival de Artes de São Cristóvão transforma a cidade histórica em palco para toda a sorte de linguagens artísticas. Os tambores reverberam alto e atraem uma verdadeira multidão. Para além da festa, no entanto, há espaço também para a reflexão crítica suscitada pelo exercício artístico e a experimentação de novas linguagens, bem embaixo do nariz de todo mundo.O III Salão Serigy de Arte Contemporânea é a maior prova.
O Jornal do Dia aproveitou o ensejo e entabulou uma boa conversa com o artista e curador John Eldon, à frente da galeria Bibok. Na entrevista reproduzida abaixo, ele enfia o dedo no umbigo da aldeia, a fim de cutucar a sensibilidade nativa.

Jornal do Dia – Afirmar-se curador e adotar como base uma cidade do interior sergipano certamente implicou em alguma dificuldades operacionais?
John Eldon – Exatamente a cidade do interior como potência para um certo desvio que buscamos em nossos projetos, mas também como oportunidade para explorar um campo que desenvolve muitas relações com o sistema sergipano das artes visuais, sobretudo se pensamos São Cristóvão como berço de tradições artísticas. Nossa historiografia visual consequentemente passa por aqui. Desde o início da Galeria Bibok, nosso espaço de exposição no Centro Histórico de São Cristóvão (que foi reconhecido como Ponto de Cultura em edital da PNAB), entendemos a cidade como um território criativo, e nossa atuação também se adaptou às demandas locais: desde organizar portfólios e narrativas artísticas até captar recursos para o desenvolvimento de projetos artísticos. Nos último tempos, as políticas culturais que estruturam setores têm sido implementadas e executadas com bastante eficácia por parte do poder público local, mas isso não é tudo. Uma forte tendência tem aparecido localmente, que é a utilização da casa, de forma autônoma e por diversos agentes culturais, como espaço criativo de fomento cultural, afinal, a estrutura conservada do centro histórico não permite transformações na paisagem urbana tombada, ainda bem! Nosso desafio é conservar a potência de atuação na direção da produção crítica de artistas emergentes, atuando desde a mediação de um campo profissional que também articula a construção simbólico-visual de nossas principais questões, e também comunicando isso ao público pelas diversas camadas da arte-educação e serviços de mediação cultural, ou seja, fomentando políticas culturais de base comunitária identificadas com a formação do campo visual local.

 

JD – Sergipe consta, de fato, no mapa das artes visuais, ou o caso de Véio encarna uma singular exceção à regra? Como se dá o diálogo entre a aldeia e as vastidões do mundo grande, em termos artísticos?
John – As questões entre o local e o global são sempre importantes porque permitem termos uma percepção sobre nossas presenças na engrenagem sistêmica da arte brasileira. Mas, o que queremos dizer quando falamos “arte brasileira”, latino americana, universal? Sempre uma perspectiva que passa pela validação sudestina, no que diz respeito à oficialização da cultura brasileira, é o que aparece como crítica à construção dessas noções, muito difundidas como narrativas oficiais e verdadeiras. Sem dúvida, Véio é exceção, que só é possível depois das inúmeras viradas na arte contemporânea, uma categoria conceitual em permanente disputa, afinal a discussão sobre o que é arte e o que ela pode fazer – como programa político dialético – nunca se esgota. Gosto de pensar com o Moacir dos Anjos, falamos sim a linguagem global da arte, mas a partir de nossos sotaques, de nossa variabilidade linguageira.

JD – A mostra coletiva promovida pela galeria Bibok na Casa Cosmos, o III Salão Serigy de Artes Contemporânea, parece se ater à crise da hora atual (para citar Frederico Morais). Os trabalhos reunidos pela mostra oferecem algum alento? Há esperança de futuro no horizonte destas obras?
John – É interessante como os artistas reagiram à chamada para compor o panorama da exposição. Há trabalhos cujo sintoma visual é o calor, a chama, a destruição mesmo, poucas ideias para adiar o fim do mundo, se fazemos jus a todo um discurso midiático a respeito das questões climáticas. Se não apresentam soluções pro futuro, tampouco estetizam a catástrofe. Penso que o único gênero visual salvacionista possível seria a paisagem, que outrora foi hostilizada como menor em determinados enquadramentos. De nossa parte, também há um esforço crítico no que diz respeito a relação com os trabalhos desde selecioná-los, por meio de chamada, tudo autônomo e autogestionado, até a criação de inteligências sensíveis, ou a textualização das obras, como um tipo de ponto de partida para uma narrativa possível. Há uma pintura muito significativa no panorama, por exemplo, a respeito de um certo sentimento psicossocial relacionado ao discurso do terror climático, os efeitos disso na mentalidade cotidiana. Foi como lemos certa possibilidade para pensar relações críticas com o trabalho. A maneira como a artista cria uma figura que provoca sensação física só pela imagem e acrescenta uma inscrição textual na pintura articula uma produção de sentido que está na latência, é possível que qualquer observador/a sinta as premências do trabalho pela imagem/texto, pela experiência direta, mas a camada da mediação narrando esse detalhe crítico é crucial para fechar qualquer experiência inteligente e sensível com a pintura.

JD – A mostra será inaugurada durante o Festival de Artes de São Cristóvão. Em sua experiência, as artes visuais são devidamente contempladas pelos gestores da sensibilidade nativa, aliadas à educação e a promoção do turismo?
John – Quando realizamos o primeiro Salão Serigy, tínhamos em mente fazer uma releitura do “Salão dos Recusados” em contraponto à exposição oficial lançada pelo Festival, que apresenta sempre um panorama parcial, limitado. Na primeira edição, convidamos artistas próximos. No segundo ano, abrimos chamada e estabelecemos o tema “porvir”. Do sem título do primeiro ao tema “porvir” do segundo, chegando ao “tá calor, tá calor”, esse movimento conota uma preocupação em estabelecer conexões críticas de sentido para o fazer a que estamos nos propondo enquanto galeria e enquanto instituição cultural preocupada em alavancar debates relevantes para a formação do olhar da comunidade. Como já comentei, há um esforço na implementação de políticas e programas que alavancam o turismo local. O centro histórico tem tudo para se tornar um “cluster criativo”, com entrosamento entre iniciativa autônoma de artistas e agentes culturais/coletivos e do poder público local.

JD – Por fim, do ponto de vista de um curador em atividade aqui e agora, o exercício artístico, a fruição do trabalho realizados pelos artistas em atividade na terrinha, possuem alguma conexão notável com a realidade tangível dos homens comuns, trabalhadores mal recompensados, as pessoas de carne e osso?
John – Os impulsos dos artistas são sempre muito curiosos. Há vários que estabelecem significantes a partir de uma perspectiva experimental-sociológica, e outros que demandam do “usuário cultural” repertório para ver, enxergar e ler, dada a complexidade de suas características, isso estou dizendo em relação ao III Salão, mas também ao que consigo rastrear de certa produção contemporânea local. Há artistas preocupados/as em aproximar sua produção do espectador final, às vezes percorrendo vias que desautorizam a institucionalidade dos espaços consagrados e inacessíveis tanto a artistas emergentes quanto ao público da classe trabalhadora. No futuro muito próximo, alguns de nossos projetos abarcarão processos e procedimentos que tendem a criar redes e relações entre artistas locais e profissionais de outros contextos onde a economia das trocas está mais avançado em termos de condições plenas de trabalho e profissionalização. Às vezes coloco a conta desse hiato crítico entre o artista e produção/circulação de conhecimento sobre sua produção na formação fornecida pela universidade. Mas também me surpreendo com uma mensagem de um amigo, artista-professor, me pedindo o catálogo do II Salão Serigy, produzido em parceria com a Tilapia Azul, para utilizar como recurso pedagógico e referência bibliográfica em suas aulas.

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