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FEC: música contra o chumbo da ditadura


Publicado em 26 de junho de 2019
Por Jornal Do Dia


 

* Acrísio Gonçalves de Oliveira
Anos 60. Vivia o mundo as tensões da Guerra Fria e, ideologicamente, se encontrava praticamente dividido entre capitalismo e socialismo. O primeiro encabeçado pelos Estados Unidos e, o segundo, pela então União Soviética. Por aqui, após 1964, voltava o tempo das perseguições. O Brasil, como sempre, seguia a receita de caça aos comunistas adotada pelos Estados Unidos. Era o tempo também da corrida armamentista entre aquelas duas potências. Tecnologicamente se disputava à chegada à lua e, acima de tudo, o armamentismo nuclear. O cientista Carl Sagan (1934-1996), em seu livro Bilhões e Bilhões, reflexões sobre vida e morte na virada do milênio, argumenta que: "Entre o começo da Guerra Fria em 1946 e o seu fim em 1989, os Estados Unidos gastaram (em valores equivalentes aos dólares de 1989) bem mais de 10 trilhões no seu confronto global com a União Soviética". Estima o autor, nesse mesmo período, que as duas potências tenham produzido "60 ou 70 mil armas nucleares" e que elas "poderiam destruir a civilização global e possivelmente até a espécie humana".
Sofrendo a influência dos dois referidos países, em 1959 explodia a Guerra do Vietnã.  Estando o país dividido em Vietnã do Norte e Vietnã do Sul, vivia este último uma ditadura apoiada pelos Estados Unidos. Antenado com o que acontecia no conflito, o jornal A Estância, aparentemente eufórico, em março de 1965 trazia em sua matéria de capa, que no Vietnã do Sul: "Comunistas já Perderam 75.000 Homens." Alheios aos dados reais e aos desígnios da guerra mesmo assim os sergipanos cultivavam um mau pressentimento, pois em 1º de maio de 1965, ao publicar uma nota, o jornal Folha Trabalhista parecia aflito, uma vez que "a decisão dos Estados Unidos de intensificarem a luta enviando mais homens aviões e, inclusive, já se falando no emprego de armas atômicas" recrudescia o conflito. Em represália a União Soviética e a China enviariam armas, aviões e voluntários. Assim, naquela época, temia-se que a humanidade fosse levada a uma "catástrofe", e que isso poderia significar "o seu extermínio da face da terra". Tomando por base os dados revelados por Sagan, trinta e quatro anos depois, o temor dos sergipanos tinha certa plausibilidade. Com perda do lado norte-americano, a guerra se findaria, em 1975, e deixaria mais de 2 milhões de mortos. 
Enquanto a guerra acontecia, o Brasil convivia com problemas como inflação, desemprego, analfabetismo, fome, latifúndio. Um ano antes do golpe de 64, a capital sergipana – que além de se deparar com a carestia e a ameaça de greve dos servidores públicos, em virtude dos baixos salários e de direitos não pagos – ainda enfrentava problemas urbanos. Em novembro de 1963, devido ao chamado Imposto de Indústria e Profissão aprovado pela Câmara, toda a indústria e comércio fecham as portas "desde os grandes armazéns aos pequenos botequins nos subúrbios". Os marchantes também aderem ao movimento paredista e deixam os aracajuanos sem carne. Embora tenha sido de apenas um dia, seria "a maior manifestação já registrada na história de Aracaju". 
Em Estância as dificuldades para urbanizá-la eram enormes, pois passava por "precária situação financeira". O prefeito Pascoal Nabuco – num tempo em que a água de beber era oriunda de fontes como a "Nambu" e transportada em burros ou carroças – prometia seu encanamento, uma antiga aspiração do povo. Havia assinado convênio com o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) a fim de resolver os graves problemas sanitários. Nesse convenio constava, dentre outros, tratamento dentário aos estudantes, atendimento às gestantes, aos tuberculosos. Previa ainda a construção de banheiro, lavatórios, caixas d’agua, chafarizes, privadas. De fato, boa parte dos estancianos, notadamente os mais pobres, costumava fazer suas necessidades fisiológicas nos matos ou em latrinas. 
Na educação pública só funcionava na zona urbana o Grupo Municipal. Na zona rural ainda era pior, pois a prefeitura embora possuísse apenas o prédio da Escola da Cachoeirinha se deparava com a falta de carteiras. Outras escolas funcionavam na casa dos próprios professores nas quais os alunos sentavam em caixões ou no chão. Por isso o prefeito pedia ajuda à comunidade através do mutirão, em que alguns entravam com madeira, outros com tijolos e até transporte de água. Era uma campanha com intuito de construir escolas em toda zona rural. Foi com a ajuda do povo que a prefeitura  construiu a escola do Alecrim. No ensino particular a cidade possuía três importantes escolas: Escola Técnica do Comércio, o Ginásio Sagrado Coração de Jesus e o Ginásio Graccho Cardoso. A primeira encaminhava-se para a formação de mais uma turma de Técnicos em Contabilidade e outra de Auxiliares de Escritório, mão de obra para as indústrias e o comércio. A última delas, prestes a formar sua primeira turma ginasial. A imprensa estanciana era servida por três periódicos, pelo menos até boa parte dos anos 60: A Estância, Folha Trabalhista e o Sim Sim. O jornal "Pequeno No Tamanho, Grande Na Missão", de cunho religioso, era dirigido pelo Padre Almeida, indo ao público quinzenal, ou às vezes mensal. 
No mês de julho de 1963 um evento cultural marcaria os estancianos: a vinda de Jorge Amado. O renomado escritor (que em romance internacionalizou Estância), teria vindo receber o título de cidadania estanciana, proposto pelo então vereador Leopoldo Souza. Nos dois dias que passou aqui, Jorge Amado prestigiou o descerramento da placa na rua (antes chamada Jackson de Figueiredo) que atualmente leva seu nome. Na placa constava os dizeres: "Nesta casa, malassombrada de Doninha Quaresma, hoje do Capitão, Jorge Amado escreveu seu romance Capitães de Areia", como cita o livro Gente Que Conheci, Coisas Que Ouvi Contar. Jorge Amado também visitaria o obelisco à Camerino (próximo à Matriz), onde seria posta mais uma placa intitulada "Roteiro de Viagem", com inscrições de sua autoria. Naquele mesmo dia o famoso artista plástico Zé de Dome, estanciano radicado em Salvador e que já havia exposto quadros no Rio de Janeiro, também fora homenageado, onde fez uma exposição típica da "pintura moderna impressionista", nível pouco entendido por seus conterrâneos. Na oportunidade cartazes que apoiavam a campanha municipal contra o analfabetismo foi pintado pelo ilustre artista. (continua) 
* Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, radialista, professor do Estado e da Rede Pública de Estância

* Acrísio Gonçalves de Oliveira

Anos 60. Vivia o mundo as tensões da Guerra Fria e, ideologicamente, se encontrava praticamente dividido entre capitalismo e socialismo. O primeiro encabeçado pelos Estados Unidos e, o segundo, pela então União Soviética. Por aqui, após 1964, voltava o tempo das perseguições. O Brasil, como sempre, seguia a receita de caça aos comunistas adotada pelos Estados Unidos. Era o tempo também da corrida armamentista entre aquelas duas potências. Tecnologicamente se disputava à chegada à lua e, acima de tudo, o armamentismo nuclear. O cientista Carl Sagan (1934-1996), em seu livro Bilhões e Bilhões, reflexões sobre vida e morte na virada do milênio, argumenta que: "Entre o começo da Guerra Fria em 1946 e o seu fim em 1989, os Estados Unidos gastaram (em valores equivalentes aos dólares de 1989) bem mais de 10 trilhões no seu confronto global com a União Soviética". Estima o autor, nesse mesmo período, que as duas potências tenham produzido "60 ou 70 mil armas nucleares" e que elas "poderiam destruir a civilização global e possivelmente até a espécie humana".
Sofrendo a influência dos dois referidos países, em 1959 explodia a Guerra do Vietnã.  Estando o país dividido em Vietnã do Norte e Vietnã do Sul, vivia este último uma ditadura apoiada pelos Estados Unidos. Antenado com o que acontecia no conflito, o jornal A Estância, aparentemente eufórico, em março de 1965 trazia em sua matéria de capa, que no Vietnã do Sul: "Comunistas já Perderam 75.000 Homens." Alheios aos dados reais e aos desígnios da guerra mesmo assim os sergipanos cultivavam um mau pressentimento, pois em 1º de maio de 1965, ao publicar uma nota, o jornal Folha Trabalhista parecia aflito, uma vez que "a decisão dos Estados Unidos de intensificarem a luta enviando mais homens aviões e, inclusive, já se falando no emprego de armas atômicas" recrudescia o conflito. Em represália a União Soviética e a China enviariam armas, aviões e voluntários. Assim, naquela época, temia-se que a humanidade fosse levada a uma "catástrofe", e que isso poderia significar "o seu extermínio da face da terra". Tomando por base os dados revelados por Sagan, trinta e quatro anos depois, o temor dos sergipanos tinha certa plausibilidade. Com perda do lado norte-americano, a guerra se findaria, em 1975, e deixaria mais de 2 milhões de mortos. 
Enquanto a guerra acontecia, o Brasil convivia com problemas como inflação, desemprego, analfabetismo, fome, latifúndio. Um ano antes do golpe de 64, a capital sergipana – que além de se deparar com a carestia e a ameaça de greve dos servidores públicos, em virtude dos baixos salários e de direitos não pagos – ainda enfrentava problemas urbanos. Em novembro de 1963, devido ao chamado Imposto de Indústria e Profissão aprovado pela Câmara, toda a indústria e comércio fecham as portas "desde os grandes armazéns aos pequenos botequins nos subúrbios". Os marchantes também aderem ao movimento paredista e deixam os aracajuanos sem carne. Embora tenha sido de apenas um dia, seria "a maior manifestação já registrada na história de Aracaju". 
Em Estância as dificuldades para urbanizá-la eram enormes, pois passava por "precária situação financeira". O prefeito Pascoal Nabuco – num tempo em que a água de beber era oriunda de fontes como a "Nambu" e transportada em burros ou carroças – prometia seu encanamento, uma antiga aspiração do povo. Havia assinado convênio com o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) a fim de resolver os graves problemas sanitários. Nesse convenio constava, dentre outros, tratamento dentário aos estudantes, atendimento às gestantes, aos tuberculosos. Previa ainda a construção de banheiro, lavatórios, caixas d’agua, chafarizes, privadas. De fato, boa parte dos estancianos, notadamente os mais pobres, costumava fazer suas necessidades fisiológicas nos matos ou em latrinas. 
Na educação pública só funcionava na zona urbana o Grupo Municipal. Na zona rural ainda era pior, pois a prefeitura embora possuísse apenas o prédio da Escola da Cachoeirinha se deparava com a falta de carteiras. Outras escolas funcionavam na casa dos próprios professores nas quais os alunos sentavam em caixões ou no chão. Por isso o prefeito pedia ajuda à comunidade através do mutirão, em que alguns entravam com madeira, outros com tijolos e até transporte de água. Era uma campanha com intuito de construir escolas em toda zona rural. Foi com a ajuda do povo que a prefeitura  construiu a escola do Alecrim. No ensino particular a cidade possuía três importantes escolas: Escola Técnica do Comércio, o Ginásio Sagrado Coração de Jesus e o Ginásio Graccho Cardoso. A primeira encaminhava-se para a formação de mais uma turma de Técnicos em Contabilidade e outra de Auxiliares de Escritório, mão de obra para as indústrias e o comércio. A última delas, prestes a formar sua primeira turma ginasial. A imprensa estanciana era servida por três periódicos, pelo menos até boa parte dos anos 60: A Estância, Folha Trabalhista e o Sim Sim. O jornal "Pequeno No Tamanho, Grande Na Missão", de cunho religioso, era dirigido pelo Padre Almeida, indo ao público quinzenal, ou às vezes mensal. 
No mês de julho de 1963 um evento cultural marcaria os estancianos: a vinda de Jorge Amado. O renomado escritor (que em romance internacionalizou Estância), teria vindo receber o título de cidadania estanciana, proposto pelo então vereador Leopoldo Souza. Nos dois dias que passou aqui, Jorge Amado prestigiou o descerramento da placa na rua (antes chamada Jackson de Figueiredo) que atualmente leva seu nome. Na placa constava os dizeres: "Nesta casa, malassombrada de Doninha Quaresma, hoje do Capitão, Jorge Amado escreveu seu romance Capitães de Areia", como cita o livro Gente Que Conheci, Coisas Que Ouvi Contar. Jorge Amado também visitaria o obelisco à Camerino (próximo à Matriz), onde seria posta mais uma placa intitulada "Roteiro de Viagem", com inscrições de sua autoria. Naquele mesmo dia o famoso artista plástico Zé de Dome, estanciano radicado em Salvador e que já havia exposto quadros no Rio de Janeiro, também fora homenageado, onde fez uma exposição típica da "pintura moderna impressionista", nível pouco entendido por seus conterrâneos. Na oportunidade cartazes que apoiavam a campanha municipal contra o analfabetismo foi pintado pelo ilustre artista. (continua) 

* Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, radialista, professor do Estado e da Rede Pública de Estância

 

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