MELINDRE
Publicado em 14 de maio de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Manoel Moacir Costa Macêdo
Escrever sobre o comportamento humano é uma tarefa difícil. Exige conhecimento das ciências humanas e biológicas, compreender o meio social, as relações familiares e as particularidades da infância. Inexorável penetrar no interior da alma humana e no “autodescobrimento”. Um desafio de impossibilidades, erros e equívocos. Esse modesto texto é exploratório e provocativo, carente de metodologia, teoria e explicação de causa e efeito.
No dicionário da língua portuguesa, melindre quer dizer substantivo masculino, “sentimento de vergonha, pudor, recato, escrúpulo, disposição para se ressentir, se ofender geralmente por coisa insignificante e suscetibilidade”. Vinculado as criaturas que exigem “extrema delicadeza no trato pessoal”. No paradigma da pós-materialidade que está porvir, o “melindre faz parte da evolução das criaturas encarnadas”. No entanto, ele não pode ser uma mentira disfarçada na “maledicência frequente”. O bandeirante espírita Caibar Schutel, escreveu que o “melindre é filho do orgulho” e entrave à evolução da criatura humana.
Em sociedades desiguais como a brasileira, onde predomina o analfabetismo, pobreza, violência, conflito e abismal distância entre os de cima e os de baixo, a lógica é “levar vantagem em tudo” e “salve-se quem puder”. O “homem cordial, o jeitinho brasileiro e com quem está falando” são expressões quem escamoteiam as nossas mazelas sociais, políticas e morais,articuladas com maestria pelas elites. O sentido de “melindre” nas relações sociais, pode ser a fuga da nua e crua realidade. Colocar “debaixo do tapete” os conflitos e assimetria social.
O “melindre” não pode ser confundido com omissão e nem com estratégia. Ele assunta o “silêncio obsequioso”. O neurologista Miguel Nicolelis, afirma que o cérebro é o “verdadeiro criador de tudo” pela sua “capacidade de se autoadpatar, propriedade conhecida como plasticidade”. Apreender o que for conveniente, ouvir o que lhe satisfaz e descartar o contrário, tal qual o “melindre”.
O modo de viver em sociedades com passado colonial e holocausto da escravidão negra,deixou a herança da subserviência, humilhação e desigualdade entre os que muito tem e os que nada possuem. Essas sociedades acolhem o “melindre” como “alergia moral”. O oposto seria a altivez, a opinião livre e o diálogo franco, o que não acontece nos trópicos abaixo da linha do Equador.
O “melindre” é o disfarce da justa indignação, da injustiça e da ingratidão alheia. Rejeição ao protesto, ao repúdio e à atitude afirmativa. É imperativo separar o “melindre” da piedade, da solidariedade e da compaixão, escassos na “modernidade líquida” de pairas e excluídos, mesmo em sociedades majoritariamente cristãs e marcadas pelo “sinal da santa cruz”. O “melindre” não pode ser um louvor ao silêncio hipócrita e à cumplicidade em nome do divino e da sabedoria.
O “melindre” é uma forma de controle social. Ele protege a covardia e a “sensibilidade de porcelana”. Ela não pode substituir a discussão sadia e vigorosa, sob pena de expressar fraqueza e “síndrome do egoísmo”. Ao final, o “melindre” não é o álibi da vaidade e nem da proteção dos fracos. “Melindrar-se, é perder as melhores situações e oportunidades” de viver ativo, presente e atuante.
Manoel Moacir Costa Macêdo é engenheiro agrônomo e advogado.