MEMENTO MORI
Publicado em 09 de abril de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Ninguém quer falar sobre o assunto ou a maioria esquece que é uma realidade inconteste. Eu, particularmente, tentei fugi por muitos anos, complexado com a perda de meu pai, quando eu tinha apenas sete anos, prestes a fazer oito. Tinha pavor a velório e caixão. Mudava de calçada para não ter que passar numa funerária. Desviava de caminho para não me encontrar com um enterro. Cemitério? Duas vezes por ano e olhe lá: na quarta-feira de Cinzas e no Dia de Finados. Não que agora, eu e a morte sejamos grandes amigos. Mas, já consigo e tento conviver com ela como se fosse a vida. Afinal de contas, ela é mais certa do que a vida e chega para todo mundo.
Entre os grandes estudiosos sobre o assunto, um se destaca de modo especial, sobretudo por suas brilhantes e precisas assertivas como a que segue: “(…) A antiga atitude diante da morte segundo a qual a morte é ao mesmo tempo familiar e próxima, por um lado, e atenuada e indiferente, por outro, opõe-seacentuadamente à nossa, segundo a qual a morte mais amedronta a ponto de não mais ousarmos dizer seu nome” (Philippe Ariès, 2012, p. 40).
Lembrai-vos da hora da morte. Eis aí algo sobre o qual devemos colocar na pauta de nossos dias (longos ou curtos). “Aproveite todos os momentos que você tem”, como diz a canção de Teófilo e Michel Teló. Entretanto, aproveitar não significa desenfreadamente gastar, pois daí a morte se antecipa em ceifar-te a vida. É como um doce gostoso (exemplo perverso para quem é diabético como eu). Deve-se SORVER cada instante de vida, pois a morte é certa: “Tudo é incerto na vida, porém, a morte ocorrerá sem dúvida” (Vinícius Medeiros, 2022, p. 49).
Não se trata aqui de fazer alarde, especular catastroficamente sobre o fim dos nossos tempos e tão pouco decretar inquietação. Trata-se de saber viver e saber viver implica saber morrer e entender que o luto vem para quem fica e uma outra vida, eterna (para quem acredita), para quem parte: a vida é como uma estação. Qual é a parada que nos espera? Será mesmo um fim ou um outro ponto de partida?
“Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8,36), recorda-nos aquele que venceu a morte e a humilhou na cruz. Jesus Cristo deixou a esperança de que nada acaba com a morte. Para tanto, pede uma mudança radical de vida. Para além da ideia de inferno, lugar destinado aos que não souberam fazer da vida uma aventura graciosa e humanista, a promessa de um lugar cuja morte não existe mais, pois a vida prevalece em toda a sua plenitude: “Eis que renovo todas as coisas” (Apocalipse 21,4-5).
O maior inimigo da vida é a vaidade. Ela destroça aquilo que há de mais humano em nós. É a porta da arrogância, da prepotência e da ganância. Aos que são movidos por este sentimento, meus pêsames, pois já jazem mortos sobre seus túmulos de ouro, riqueza, honras e futilidades: “Vivemos do pó e ao pó voltaremos” (Gênesis 3,19). Triste pretensão arvorar-se de imortal, quando os vermes anseiam por sua carne gélida e sem vida: “Ah! Para ele é que a carne podre fica, / E no inventário da matéria rica / Cabe aos seus filhos a maior porção!” (Augusto dos Anjos).
E assim a morte segue fazendo seu trottoir, entra ano, sai ano: “(…) Se hoje somos felizes, um dia isso cessará; se estamos tristes, também. Ricos ou pobres, todos terão a sua passagem” (Vivi Princival, 2022, p. 95). Em 1984, Raul Seixas já nos lembrava: “(…) A morte, surda, caminha ao meu lado / E não sei em que esquina ela vai me beijar”. Na testa, na face, na mão, pés ou na boca, ela virá. Espero, sinceramente, encontrá-la sem temor, sereno e manso, como um animal pronto para o abate. Aos que ficam, o consolo e as memórias.