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MERO DA SOMBRA DA PEDRA


Publicado em 01 de fevereiro de 2025
Por Jornal Do Dia Se


 * Thiago Fragata

 

Esse texto desvela uma lenda de São Cristóvão que registrei há alguns anos, nas pesquisas de campo. Coletar estórias do povo, assim nasceu o folclore em meados do século XIX, na Europa. Folclore é um neologismo, termo inventado pelo arqueólogo britânico Willian Jonh Thoms, para designar o conhecimento popular. No artigo publicado em 22 de agosto de 1846, folklore aparece como junção de folk (povo) e lore (sabedoria) para definir o conjunto de manifestações que simbolizam a cultura popular e, por conseguinte, refletem sua identidade. Na segunda metade do século XIX, intelectuais inspirados no romantismo inventaram narrativas embasadas no folclore para desvendar o passado.
Severiano Cardoso e Manoel dos Passos de Oliveira Telles, por exemplo, foram intelectuais que, inspirados na sabedoria popular buscaram em São Cristóvão, antiga capital, respostas as suas pesquisas acerca da história de Sergipe. O rico patrimônio cultural da “cidade-mãe”, fundada no final do século XVI (1590) é prenhe de possibilidades encantou os pesquisadores. Vejo nos seus esforços uma espécie de “consulta ao oráculo de Delfos”, da Grécia antiga, as tantas escaramuças ou perquirições realizadas. O primeiro revelou Rita Cacete, o segundo conheceu pessoalmente João Bebe-Água; nenhum deles tratou da sombra da pedra…
Na minha juventude em São Cristóvão, idos de 1985, aprendi a consertar “motores de rabeta” com o meu pai, o popular Tiago do Gelo, proprietário de barcos e redes. Uma queixa recorrente dos pescadores era a “sombra da pedra”, localizada próximo ao Porto das Pedreiras. Demorei decifrar esta enigmática expressão dita com agouro. Vamos a exegese:
PEDRA – Hoje tenho uma imagem definida do rochedo, uma base brocada visível nos períodos de calmaria quando a água revela a silhueta de batismo. Uns falavam da sombra da pedra como sinônimo de prejuízo, porque a rede que se prendia em suas paredes de cascalho não se resgatava. Linhas e anzóis sem conta perderam-se e ornamentavam o rochedo há uns 10 metros de profundidade. Outros falavam daquele lugar como ponto piscoso.
Razões para evitar a pesca nas proximidades da sombra da pedra todos tinham. O número de “mipas” (pescaria sem peixe) constituía-se um problema que definia a possibilidade de risco que um dono de rede poderia considerar. Independente de qualquer coisa, a pescaria farta seria certa aos que manejassem cautelosamente as armadilhas a sua volta. No entanto, alguém sempre lembrava de um fulano ou beltrano que sumiu na sombra da pedra, mergulhou e nunca emergiu…

A SOMBRA – A sombra da pedra não era a única coisa que atemorizava os trabalhadores do mar, naquelas águas aparentemente residia um mero. Mil estórias ainda ecoam nos meus ouvidos sobre a fantástica criatura. O nome científico do bicho é Epinephelus Itajara. Itajara é um termo tupi que significa “senhor da pedra” (itá, pedra + iara, senhor). Esse animal marinho vive nos oceanos Atlântico e Pacífico. Entre suas características, destacam-se a longevidade – pode viver até 40 anos! – e sua capacidade de se camuflar no seu habitat: as pedras.
Eureka! O peixe era a sombra! Dos causos contados pelos pescadores uma unanimidade, todos disseram que a sombra de um peixe gigante na superfície d’água, bem próximo a tal pedra, explicava a origem do nome. Após descrever o exemplar da megafauna marinha, um deles acrescentou: “E quando passou ao lado da canoa, deu para avistar ostras no seu costado, por pouco não virou meu barco.” Boa parte dos relatos sobre o mero exageram o seu tamanho e o caracteriza “velhaco” por duas razões: consegue escapulir de armadilhas, é um predador oportunista – surpreende suas vítimas. O serranídeo, animal da mesma família das garoupas e do badejo, pode atingir 2,7m de comprimento e pesar 450kg!
Faz tempo, ninguém fala do gigante marinho que habitava a região onde o rio Paramopama deságua no Rio Vaza-barris, no povoado Pedreiras. Sumiu, ficou apenas o cenário. Será que alguém capturou o peixe velhaco ou ele encantou-se?”. Os que insistem na sua existência apresentam a maior prova: o lugar onde fica a sombra da pedra.
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*Thiago Fragata é professor, historiador e multiartista. Texto integra o inédito Cronicário das memórias – São Cristóvão/SE. E-MAIL thiagofragata@gmail.com

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