Mesa de Bar
Publicado em 17 de abril de 2025
Por Jornal Do Dia Se
* Antonio Samarone
“Corina tem um filho comunista, coitada! E além disto, ele fuma maconha!” Amaral Cavalcante.
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Antes das redes sociais, o barzinho era um espaço de encontros de artistas, boêmios, intelectuais, revolucionários e de uma meia dúzia de desocupados. A cada noite, se botava em dias as fofocas, as notícias e se aprovava planos para mudar o mundo.
O filosofo de mesa de bar desfilava imponente. Falava sobre tudo, sempre com a razão.
Lembro-me do Gosto Gostoso, que funcionava na rua Lourival Chagas, (se não me engano), perto do apartamento de Marcelo Déda. O bar era de Fernandinho (Fernando Montalvão Filho), um aristocrata de Lagarto, que largou o sólido emprego de bancário do Bradesco, para virar empresário. Walfredo, irmão de Waldefrei do Clube da ENERGIPE, era sócio.
O Gosto Gostoso foi um sucesso. Na época, o Partido dos Trabalhadores era uma marca de prestígio. Quem quisesse ser moderno, botava uma estrelinha no peito e saia desfilando. Eu não conhecia nenhum jovem de direita, caso existisse, era incubado.
O bar de Fernandinho e Walfredo era infestado de esquerdistas, intelectuais, jornalistas, agentes culturais, anarquistas e monarquistas de esquerda, boêmios, bicho grilo, artistas e filósofos. Uma Arca de Noé!
Antes, era o Gosto Gostoso refeições, vendia marmita e quentinha. Depois passou a abrir as quartas-feiras, servindo uma geladinha e tira gosto, abrilhantado por Chico Queiroga. Foi quando se tornou o Bar da moda e ganhou fama. Isso era efêmero, circulava.
Os candidatos de esquerda lançavam as suas campanhas políticas no Gosto Gostoso. A classe média universitária estava lá. Todos queríamos mudar o mundo. Uns mais, outros menos.
Fernandinho e Walfredo eram criativos, levava artistas alternativos. Por lá passaram famosos: Xangai, Vital Farias, Geraldo Azevedo, Elomar, e tantos outros que esqueci.
Dos talentosos artistas da terra, lembro-me de Pantera, Chico Queiroga, Doca Furtado, Sena e Sergival, Feliciano, Cataluzes, Amorosa, Ismar Barreto, Irmão e Tonho Baixinho. Devo ter esquecido de muita gente, a quem peço desculpas.
A cerveja gelada era complementada pela tradicional maniçoba, coração de frango e caldo verde. Se saia das intermináveis assembleias do PT, para o Gosto Gostoso, sem peso na consciência. Era um lazer quase revolucionário.
Lembro-me de um texto de Amaral Cavalcante, uma peça literária: “Vida, esperança de justiça e sofreguidão. Acho que éramos todos assim belos e revolucionários, naqueles tempos do Gosto Gostoso.”
Peço licença para continuar citando Amaral:
“Notável também eram as bolsas de coro cru a tiracolo. Cada um carregava nela o seu arsenal bélico: folhas soltas com desenhos malucos, doutrinas, diários guevarianos, manifestos, a última edição de Carlos Zéfiro e, no fundo, perfumando tudo, o providencial baseado – que ninguém é de ferro.”
O Gosto Gostoso começou a decair com a inauguração do Calipso e do Calabar, na Praia, com a iluminação nova da orla, implantada pelo governador João Alves.
Gente, por onde anda aquela turma, quantos continuam vivos, fazem o que, quantos estão entocados nas redes sociais. Apareçam! Os derrotados também são filhos de Deus. As nossas bandeiras estão encostadas temporariamente.
Como consolo, lembro-me de um verso de Cazuza: “Se você achar que eu tô derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados, porque o tempo não para.”
* Antonio Samarone, secretario de Cultura de Itabaiana