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O Brasil está proibido de se desenvolver e gerar empregos. Seu destino é arcar com os juros infinitos da dívida pública


Publicado em 05 de janeiro de 2023
Por Jornal Do Dia Se


José Álvaro de Lima Cardoso

Um despacho assinado ainda no domingo pelo presidente Lula anulou atos que davam andamento ao processo de privatização de oito empresas públicas: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) Empresa Petróleo Brasileiro S.A., Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. e os armazéns e os imóveis da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Com a mesma velocidade com que o novo governo tem tomado medidas importantes nas primeiras horas de administração, como o citado despacho presidencial, acabou também a trégua com o chamado jornalismo de guerra (se é que houve trégua em algum momento). No domingo mesmo começaram as críticas à montagem da equipe que supostamente abriu espaço ao “devaneio desenvolvimentista”.
Além de economia nacional em estado de calamidade pública, o governo Lula enfrentará uma situação internacional muito complexa. A liberdade defendida nos discursos de posse, terá que ser consubstanciada em elementos palpáveis, como emprego, salário decente, saúde e educação públicas de qualidade. Por isso é fundamental o esforço que está sendo realizado para a aplicação de ganho real para o salário-mínimo já em janeiro de 2023. Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, enviada pelo governo de Bolsonaro, não está previsto ganho real para o salário-mínimo. Mas é provável que esse aconteça porque a estimativa de inflação constante da PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), enviada em agosto do ano passado para o Congresso Nacional, previa uma inflação no ano um pouco maior do que inflação efetiva (será um pequeno ganho real, devido a contingências econômicas e políticas).
É conhecido o efeito multiplicador do salário-mínimo na renda, na medida em que milhões de pessoas no Brasil recebem apenas o mínimo, na economia formal e informal. Além disso, mais de 60% das aposentadorias e pensões do Regime geral da Previdência Social, são de um salário-mínimo. Além do fato de que, o grosso dos trabalhadores recebe no Brasil até 3 salários-mínimos. Quando o piso nacional sofre um aumento, ele acaba empurrando pelo menos a base da pirâmide para cima.
É fundamental que o novo governo mova uma vigorosa luta contra a fome, já nos primeiros 100 dias. Há 9 anos, no final do primeiro governo Dilma, em 2014, o Brasil tinha saído do mapa da fome da ONU, uma das conquistas mais importantes do país, pelo significado político e humano do acontecido. Com o golpe de 2016, o Brasil voltou rapidamente ao famigerado Mapa. A situação agora é mais grave. Mais da metade da população brasileira está em insegurança alimentar e 33 milhões estão passando fome, mesmo.
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, dispõe de tecnologia e de uma imensidão de terras agricultáveis. Além de exportar alimentos para o mundo todo. Portanto o país tem o dever de garantir alimentação decente e regular para toda a população, objetivo que deve integrar um conjunto de políticas públicas (emprego, crédito ao produtor familiar, sistema de abastecimento, controle da inflação de alimentos etc.).
O Cadastro único para Programas Sociais do Governo Federal, CRAS, possuía, em 2019, 29 milhões de famílias cadastradas, número que atualmente está em 40 milhões, após o desastre da política econômica e social de Bolsonaro/Guedes. Destas 40 milhões, 80% têm renda domiciliar per capita de ½ salário-mínimo, o que revela a gravidade da questão social. O SUAS (Sistema Único de Assistência Social), sofreu redução de 96% no orçamento previsto para 2023, o que na prática significaria a sua inviabilização, se não houvesse uma PEC da Transição, negociada pelo governo que assumiu em 1º de janeiro.
Uma outra questão que deve ser priorizada é o combate ao endividamento das famílias. Segundo informação da Confederação Nacional do Comércio, o número de famílias endividadas atingiu 79,3% do total de lares no país, recorde na série histórica que a entidade organiza. O alto nível de endividamento das famílias é agravado pelo fato de que o Brasil pratica os maiores juros reais do planeta. O cidadão ou a família que se endivida, não consegue mais sair da cilada financeira, por causa dos níveis dos juros.
É fundamental retomar o programa habitacional, que antes se chamava Minha Casa Minha Vida, e que foi destruído pelo golpe de 2016, especialmente a partir de Bolsonaro. O déficit habitacional brasileiro é gigante (5,9 milhões de domicílios em 2019). Desde 2020 tem ocorrido redução extrema nos recursos para programas habitacionais. A média de gastos com programas habitacionais, especialmente o Minha Casa Minha Vida (MCMV), de 2009 a 2019, foi de R$ 11,3 bilhões ao ano. Um projeto habitacional de envergadura, além de começar a resolver um problema estrutural do Brasil – o déficit habitacional – geraria empregos rapidamente, especialmente na base da pirâmide salarial. Além do setor ser extremamente ágil na geração de empregos e impostos, a cadeia produtiva em grande parte é nacionalizada, o que geraria um efeito positivo de grosso calibre na economia brasileira.
Além da prioritária questão econômica e social, o governo que assume dispõe de margens para desenvolver políticas de soberania e relações internacionais. É possível resgatar a ideia de Brasil soberano que trata de igual para igual os países mais ricos e poderosos, ao mesmo tempo em que coopera com o desenvolvimento dos países mais pobres, com investimentos e transferência de tecnologia etc. Deverão ser novamente enfatizadas as políticas de integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, e de fortalecimento do Mercosul. A articulação dos BRICS também deve ser retomada com força. O que deverá colocar o país, em princípio, em rota de colisão com o império americano, que elegeu China e Rússia como seus inimigos principais, como podemos observar pela ação da Otan na Ucrânia, dentre dezenas de outros exemplos.
O novo governo sabe que não interessa ao Brasil ser um mero provedor de commodities e matérias primas para os países ricos e deverá desenvolver ações no sentido de reindustrializar o país. O Brasil ainda é o país mais industrializado da América Latina, mas há décadas o setor vem perdendo importância no PIB, tendência muito acelerada no desgoverno Bolsonaro. Tem que retomar o desenvolvimento industrial com câmbio adequado, política industrial, fortalecimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a produção. Fundamental também serão os investimentos em tecnologia para exportar produtos de alto valor agregado, política absolutamente esmagada pelos governos golpistas (Temer e Bolsonaro).
Com o mundo em frangalhos, o novo governo deve ter um aumento de influência no chamado Sul Global, especialmente em parceria com a China e Rússia, que estão sendo diretamente ameaçados pela política agressiva do imperialismo norte-americano. O novo governo deve não apenas retomar o protagonismo do Brasil na luta contra a crise climática, melhorando a proteção aos biomas como um todo, mas deve reduzir o risco de entrega da Floresta Amazônica para interesses imperialistas. É fundamental para isso, possibilitar o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. No bioma amazônico, que é metade do território brasileiro, vivem quase 30 milhões de compatriotas.
A implementação dessas medidas – e tantas outras essenciais – terá que ser feita em condições muito adversas, nacional e internacionalmente. Sua realização depende de alteração na correlação de forças, e não apenas de competência técnica. Especialmente em função de uma crise internacional, que se deve se agravar, e da “herança maldita” do governo Bolsonaro. Além disso, o encaminhamento das medidas elencadas implica na retomada do papel que foi retirado em parte do Estado brasileiro, principalmente a partir do golpe, de indutor do crescimento e do desenvolvimento nacional.
A interrupção de processos avançados de privatização de empresas estratégicas certamente já despertou a fúria de quem podia ganhar muito dinheiro com esse tipo de pirataria (esses têm muito dinheiro e, portanto, muitos “porta-vozes”). Além disso, antes mesmo das primeiras medidas publicadas ainda no domingo, dia 1º, o governo começou a ser criticado pelos setores conservadores por seus “devaneios desenvolvimentistas”. Para esses setores endinheirados, a aspiração de desenvolvimento do país, recuperação da indústria, investimento em tecnologia e geração de empregos, seriam “fantasias”, “extravagâncias” que não poderiam nem mesmo serem mencionadas.
Se o governo recém-empossado não quiser ser um mero pagador de juros infinitos ao sistema financeiro internacional (como ocorre há décadas), terá que se preparar para o pior. Errar o menos possível na área econômica e se concentrar fundamentalmente na retomada do crescimento e no combate à miséria, que aumentou consideravelmente a partir do golpe. Por isso suas primeiras medidas econômicas têm que ir ao âmago das necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, que estão completamente sem margem de manobra. E saber que tais medidas multiplicarão a fúria dos “donos” do Brasil.

José Álvaro de Lima Cardoso, economista.

 

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