Os Meninos Comunistas da Praça da Igreja
Publicado em 06 de maio de 2025
Por Jornal Do Dia Se
* Marcondes de Jesus
No mês de março de 1917, ocorreu Revolução Comunista Russa. Em seu propósito, Karl Marx recomendava que a classe operária deveria destruir toda a estrutura de funcionamento do Estado, como ponto de partida para o sucesso de qualquer revolução verdadeiramente popular.
No final da década de 60, a inspiração revolucionária chegou às Américas e seus ideais esquerdistas respigaram no Brasil.
E para combatê-la, as forças armadas desfecharam um golpe militar no 31 de março de 1964, para evitar que “meia dúzia de comunistas” tomassem conta do Brasil.
Graças a esse quartelada, tivemos que conviver por 21 anos com um sistema ditatorial que teve raros pontos positivos, mas que seguramente nos fez regredir meio século.
Nos idos de 1967, eu e outros tantas crianças ingênuas, escrevíamos cartas para emissoras de rádio do exterior, inclusive para países comunistas, com objetivo de ganharmos selos, postais, flâmulas e outros souvenirs internacionais.
Os absurdos da ditadura militar eram tão grandes, que mesmo crianças eram proibidas usar calça, camisa ou gravata vermelha, muito menos ter um livro com capa vermelha em sua estante. A cor rubra simbolizava o mal, era a cor do comunismo.
Criou-se no imaginário popular o conceito de que, os comunistas eram pessoas do mal, onde filhos não respeitavam os pais, negavam a existência de Deus e que praticavam ritos de arrancar fígados de crianças.
Não sei quem de nós descobriu os endereços postais das Rádio Havana, Rádio Praga, Rádio Central de Moscou, Rádio Pequim, todas emissoras de países comunistas.
Fato é que, passamos a mandar cartas para essas emissoras e a receber farto material que incluía broches, fotos e outras caqueradas vermelhas.
Certa vez, recebi uns broches com o símbolo da foice e do martelo ornando as silhuetas de 3 barbudos feiosos que eu não tinha idéia de quem eram. Só tempos depois disseram ser Marx, Lenin e Stalin, líderes revolucionários.
Assim que minha mãe viu, me chamou e mandou que eu desse fim a tudo, cavasse um buraco no quintal e enterrasse toda porcaria, aquilo era um risco para segurança de toda família.
Cleidnadjo Araujo, apelidado de Dadá, nosso colega do Murilo Braga, viveu a encrenca em grau máximo. Recebeu um monte de fotos, postais e encartes oriundo de uma dessas emissoras comunistas e não teve erro: seu pai foi chamado a depor na Polícia Federal em Aracaju.
Pobre do Seu Alonso, caminhoneiro da Rio-Bahia, jamais ouvira falar de Lenine, Fidel Castro, Moscou ou Pequim, foi interrogado sobre teorias marxista e leninista, teve que dar explicações sobre o “esquerdismo infantojuvenil” do seu filho, sem ter a menor ideia das perguntas que lhe eram formuladas pelo delegado caçador de subversivos.
Será que os comunistas estavam seduzindo os meninos itabaianenses que brincavam na praça?
Dadá deve ter tomado uma bela surra do seu pai e procurado outra forma de se divertir.
O susto e os puxões de orelha que Dadá recebeu, pôs fim a nossa inocência. Ninguém mais se arriscou a escrever para países comunistas da Cortina de Ferro. A Ditadura Militar tinha nos alcançado e prejudicado nossos divertidos encontros de trocas de selos, moedas, flâmulas e postais nos bancos de cimento da praça Fausto Cardoso.
Como o regime comunista jamais ameaçou a democracia brasileira sempre de calças curtas, o comunismo foi extinto da terra em 1989, e hoje, falar de risco do comunismo no Brasil é algo tão estúpido como acreditar em mula sem cabeça, luzerna, papai noel, o saci pererê; um misto de inocência, cegueira política e falta de instrução escolar.
Ontem Cleidinadjo nosso Dadá de Afonso, cansou-se do peso do seu sofrimento mental, e pôs fim à sua própria vida. Que Deus que é a fonte maior do amor e da compreensão, possa entender a dor que motivou o seu ato e conceder-lhe o perdão: Dadá nunca foi comunista, muito menos na infância, e Deus sabe disso.
* Marcondes de Jesus é médico em Itabaiana